Salvador Couto. O jovem que quer surfar a maior onda da nazaré

Experimentou o surf aos 10 anos e desde então que não parou. Hoje, com 25, vive para o mar e todos os dias quer ser melhor. Recentemente apanhou um grande susto ao ficar 42 segundos debaixo de água depois de ser apanhado por uma onda de 22 metros. Mesmo assim, não desiste do seu sonho…

Era de Braga e, por isso, sempre viveu longe do mar. A dada altura, mudou-se para o Porto para estudar e, muitas vezes, ia de férias para a Praia da Arda, em Viana do Castelo. Sem compromisso, decidiu experimentar uma aula de surf e ficou imediatamente viciado no sentimento que ele traz. «O contacto com a natureza, a dança com o mar. O meu signo é peixe, portanto, acredito que isso me faça ter uma maior envolvência com ele. (risos) O bichinho ficou e comecei a surfar. Tinha 10 anos e estava super fora da indústria. Não tinha qualquer noção de que havia competições e que dava realmente para viver disso», lembra Salvador Couto, de 25 anos.

Nessa altura, ao contrário de si (que não pensava muito nos riscos), os seus pais tinham receio que fosse surfar sozinho. Por isso, compraram um apito de árbitro: um apito, era para levantar o braço para saberem onde é que estava, dois apitos era para sair de água. «Eu tinha imensa vergonha!», admite o jovem em tom de brincadeira.  A paixão foi aumentando, começou a evoluir aos poucos e, com cerca de 12 anos, conheceu Marcelo Martins, dono da escola de surf Onda Pura. «Comecei a treinar com ele. Aí já tive um acompanhamento mais a longo prazo… Consegui melhorar a minha técnica e, passado dois anos, comecei a competir. Foi tudo muito rápido», conta.

‘Consumido’ pelo mar

Segundo Salvador Couto, no Porto a indústria do surf não é «muito desenvolvida» e a maior parte dos surfistas que vivem desta prática desportiva em Portugal estão na zona da Ericeira, Cascais e da Grande Lisboa. Por isso, vinha muito para a capital e, por consequência, começou a entrar em campeonatos. «O meu primeiro, em que fiquei logo em primeiro lugar, foi aqui em Lisboa. Era o Esperanças, o circuito nacional de jovens aqui de Portugal, que tem escalão sub-12, sub-14, sub-16, sub-18», detalha. Seguiram-se então os patrocínios e o jovem surfista começou a perceber que havia a possibilidade de seguir esse caminho. «Aos 16 anos fui campeão nacional sub-16, campeão europeu, e estava super motivado. Basicamente dediquei toda a minha adolescência ao surf. Não saia à noite porque estava sempre no mar, a viajar e em competições. Apesar de conviver com a malta, acabava por não ter um grupo muito fixo. Na altura era algo que me pesava um bocado. Portanto, sempre houve muito sacrifício à volta do surf», admite.

Ao atingir a maioridade, os seus amigos foram todos para a faculdade e começaram a ter «mais liberdade». «Comecei a fazer contas à minha vida e a perceber que o percurso de competição é muito difícil de financiar. Hoje em dia 90% dos surfistas que estão atrás do sonho de qualificar-se para o mundial, para a elite do surf mundial, que é o WSL World Surf Tour, acabam o ano com prejuízo. Por isso, muitas vezes têm a ajuda dos pais e dos patrocínios. O que ganham mal chega para fazer o break-even dos custos financeiros, que é viajar e competir à volta do mundo», lamenta.

Salvador Couto revela que acabou por entrar em burnout. «Sentia um peso em mim porque não estava a estudar e via os meus amigos todos a tirarem cursos», continua. Com 18 anos já tinha viajado pelo mundo, desde Japão, Austrália, Indonésia… Já tinha conhecido muitas culturas novas, «percebia muito bem o que era a realidade do mundo», mas queria ter um plano B. Ao mesmo tempo, refere, a indústria e a bolha do surf em Portugal é «muito pequena» e «bastante tóxica». «Sentia que não estava com as pessoas certas. Decidi, por isso, ir estudar. Perdi um bocado o gosto que tinha pelo surf. Tirei um curso de Gestão em Barcelona», afirma. Mas com o aparecimento da Covid-19, acabou por regressar a Portugal e, quase sem se aperceber, também já estava de regresso ao mar. «Tinha imenso tempo livre e decidi voltar lentamente a surfar», conta.

Interrogado sobre aquilo que sente quando está dentro de água, o jovem surfista faz referência a uma parte do espetáculo do comediante Salvador Martinha que diz «que os surfistas quando estão dentro de água não sentem nada, não pensam em nada». «É um bocado isso. É quando consigo desconectar-me dos problemas, do dia-a-dia, da minha rotina. Estou conectado com a natureza, desconectado das coisas menos boas e hiper focado em apanhar a onda», revela. Principalmente quando se fala das ondas gigantes da Nazaré.

As ondas gigantes da Nazaré

Começou por surfar a onda Cave, considerada extremamente perigosa. «É muito rasa, tem pedras a sair para fora da água… Acho que foi aí que tive a certeza que adorava aquela adrenalina, estar ali a arriscar a minha vida para surfar uma onda. E, mais uma vez, a conexão toda com o oceano. A Nazaré é, neste momento, o maior palco de ondas grandes do mundo. Portanto, sendo português não podia estar mais motivado para investir lá o meu tempo, até porque não há portugueses neste momento a debater-se com os outros estrangeiros. Há muitos brasileiros, muitos australianos, americanos, mas portugueses quase não há», garante.

O jovem acredita que vai ser o primeiro português a bater o recorde da maior onda surfada do mundo na Nazaré. «Essa é a competição que eu tenho… Envolve treino fora de água, treino mental. Eu diria que 90% do trabalho a fazer para surfar ondas grandes é mental. Não é fácil ter a habilidade de controlar o corpo, manter a calma, conseguires ultrapassar aquela linha do medo… Afinal de contas, estás a correr um risco de vida enorme», frisa. 

De acordo com o jovem a margem de erro é sempre grande e cada vez que lá vai surfar a probabilidade de cair numa onda e levar com ela em cima é grande. «Aquilo não é brincadeira nenhuma, temos de ter sempre muito respeito pelo mar e não ter excesso de confiança», aconselha. E claro que o medo existe, mas o surfista gosta de senti-lo. Aliás, adora sentir o corpo tremer de medo quando ainda está no porto de abrigo da Nazaré. «Faz-me sentir vivo!», afirma. 

Entretanto, o surfista também começou trabalhar com as redes sociais e a mostrar o seu lifestyle. «A maior dificuldade neste desporto é mesmo a nível financeiro. Não basta ser bom no surf e ter talento. É preciso tu saberes gerir muito bem a tua imagem, saberes dinamizá-la para conseguires atrair marcas que invistam no teu sonho. O surf é muito nicho», assegura.

O momento mais marcante que teve até agora foi precisamente aí. Surfou uma onda de 22 metros. «A sensação que eu tive de estar a descer uma onda daquelas com as 20 mil pessoas aos berros no canhão foi indescritível. É uma sensação de adrenalina tão incrível, e o barulho da onda a quebrar é monstruoso», descreve.

O maior susto da sua vida

Mas nem sempre as coisas correm bem. Recentemente Salvador Couto pensou que ia ficar no mar. Era o primeiro dia desta temporada e o mar estava muito perigoso, muito grande e não reunia as condições ideais. «Eu fui o único surfista a entrar. Aliás, os meus ídolos todos, como o Nic Von Rupp e o Lucas Chumbo, ficaram bastante surpreendidos. Decidi entrar com a minha equipa e experimentar uma onda para ver se me sentia bem e correu tudo bem», começa por contar. «Nós temos uma pessoa chamada spotter [observador] que está no canhão da Nazaré com um walkie-talkie para o meu piloto na mota de água. Avisa-me quando é que vem a onda, se vem para norte, para sul… Lembro-me perfeitamente de estar deitado com a prancha já pronta para me levantar. O spotter começou a gritar: ‘Vem aí uma onda gigante a norte!’. E eu gritei para o meu piloto: ‘Bora, bora, bora, bora!’.  E basicamente quando já estava a entrar na onda, vejo que era super branca e que ia ser muito difícil de conseguir surfar. Quando cheguei à base da onda, olhei para cima e vi uma parede de 22 metros em cima de mim e perdi um bocado o foco», detalha o jovem. Depois escorregou, caiu e levou com a onda toda em cima. «Foi um sentimento assustador… A força bruta daquilo a puxar o meu corpo para todo lado, o medo que tive ao querer respirar e não conseguir. É uma aflição hardcore. Eu fui tão, tão, tão debaixo de água que os meus tímpanos estouraram. E eu aí comecei a ter flashbacks da minha infância, de tudo que já me aconteceu na vida», recorda.

Normalmente, Salvador tem um colete de salvamento que tem umas bombinhas de CO2 que o fazem vir à tona mais rápido. Só que a força do mar era tanta que não conseguiu. «Comecei a ter palpitações nos pulmões, já quase a desmaiar. Quando estava a conseguir vir ao de cima, veio outra onda. Comecei a sentir o meu corpo já mesmo no limite. Estive 42 segundos debaixo de água», revela ainda.

Quando conseguiu vir ao de cima estava «meio inconsciente». «Foi o meu piloto que me puxou com a mota de água. Foi um momento assustador, mas eu tive uma adrenalina tão grande que até fiquei tipo: ‘Wow! Isto foi incrível!’. (risos)», brinca.

A sua família apoia-o incondicionalmente. Porém, não conseguem ir à Nazaré, porque têm medo de que alguma coisa lhe aconteça. «A minha mãe sofre imenso. Aliás, às vezes nem gosto de lhe dizer quando vou, porque fica com uma ansiedade gigante», conta.

Sobre o recorde que deseja bater o jovem afirma: «Não quero só que os portugueses estejam a surfar na Nazaré, eu quero que eles estejam a dominá-la». «Isto é o que eu amo fazer. Como eu te disse há um bocado: é no mar que eu me sinto mais vivo. Portanto, é natural  eu querer, a cada surfada, ultrapassar o meu próprio recorde. O querer surfar a maior onda da Nazaré é um objetivo a longo prazo. Tenho tempo, ainda sou muito novinho. O Garrett McNamara tinha 40 anos quando o fez. Eu tenho 25. É um caminho que se percorre com calma. A cada temporada vou sempre tentar elevar a fasquia e ser melhor do que a passada. Sou uma pessoa que acredita muito nas energias e no universo e é importante manifestar. Acho que me vai ajudar também aqui a mentalizar e a pôr o universo todo em sintonia comigo», remata Salvador Couto.