Crianças expostas ao risco

Centenas de berçários e escolas vão colapsar se houver um grande sismo

Muitos pais deixam, todos os dias, os filhos em berçários e escolas de máximo risco em caso de sismo violento. «Muitas creches estão instaladas em prédios muito vulneráveis, que vão dar problemas, inclusivamente colapsos», alerta Carlos Sousa Oliveira, professor jubilado do Instituto Superior Técnico, doutorado em Engenharia Sísmica pela Universidade da Califórnia. Na Grande Lisboa e em cidades como Santarém, Sintra, Setúbal, Portimão e Faro, o Estado autorizou a instalação de infantários no rés-do-chão e nas caves de edifícios ‘gaioleiros’, com elevado risco de colapso e de mortalidade massiva quando se repetir um grande sismo.

Construídos na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, os ‘gaioleiros’ são o resultado do trágico apagamento do sismo de 1755 da memória coletiva. As construções oitocentistas da Baixa de Lisboa, com a sua ‘gaiola pombalina’, estrutura capaz de dançar sem colapsar quando a terra treme, ainda tinham a segurança estrutural como propósito. Nas chamadas avenidas novas, nasceram mais tarde centenas de edifícios de alvenaria, com seis, sete, ou mais pisos, sem qualquer estrutura antissísmica. A sociedade passou a privilegiar azulejos, estátuas, belos tetos em gesso e toda a sorte de elementos decorativos. «Quando se repetir o sismo de 1755, é inevitável o colapso de muitos desses prédios», adverte Mário Lopes, professor do IST ainda no ativo, também ele preocupado com «a morte de um elevado número de crianças em creches e escolas».

Apesar do apelo dos maiores especialistas do país, o Estado tarda em implementar uma política de mitigação da elevada exposição ao perigo das novas gerações. O licenciamento de creches ainda é permitido em edifícios vulneráveis a sismos porque essa avaliação nem sequer é exigida. A Segurança Social não a exige, antes confia nas licenças de utilização emitidas pelas câmaras municipais. No caso de prédios antigos adaptados, essas licenças não dependem de qualquer estudo específico da vulnerabilidade sísmica. Perguntámos na quarta-feira à ministra com a tutela da Segurança Social se «tendo em conta os sucessivos alertas públicos da comunidade científica, o Governo tomou ou vai tomar alguma medida para diminuir a exposição das crianças ao risco em creches e berçários». A resposta de Maria Rosário Ramalho não chegou até ao fecho desta edição.

A tragédia que chocou Itália

Em 31 de outubro de 2002, um terramoto provocou o desabamento da escola da aldeia italiana de San Giuliano di Puglia, matando instantaneamente 27 crianças, dos seis aos dez anos de idade, e a sua professora primária. Com magnitude de 5,4, esse sismo foi relativamente moderado: libertou o equivalente a 32 minutos de energia elétrica consumida em Portugal. O Terramoto de 1755, com magnitude de 8,5, vai repetir-se de certeza, segundo o consenso científico. A diferença é que será 45 mil vezes mais violento: em poucos segundos, provocará uma explosão equivalente a um ano de energia elétrica consumida em Portugal. O número de crianças ameaçadas também é, incomparavelmente, maior.

As imagens televisivas do funeral coletivo de 27 crianças deixaram a opinião pública em brasa. O Governo italiano reagiu com medidas legislativas para apertar os critérios de segurança nas obras de construção e requalificação do parque escolar. E inscreveu 1.000 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), para a reabilitação e reforço estrutural das escolas.

Por cá, o governo de António Costa esqueceu por completo a maior ameaça à população, à economia e ao território. O PRR português reservou 700 milhões à recuperação energética do parque edificado, mas nem um único cêntimo à segurança antissísmica. «É um disparate. Fazer só a reabilitação energética não serve para nada, porque quando vier um sismo destrói tudo — perdemos o investimento todo», lamenta Sousa Oliveira.

A vulnerabilidade estende-se a todos os níveis de ensino. O Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) detetou em Lisboa 16 escolas básicas e secundárias a precisar de obras de reforço sísmico. Cinco apresentam risco de colapso e de outros danos severos, suscetíveis de ameaçar a vida de crianças, professores e auxiliares: Nuno Gonçalves e Patrício Prazeres, na Penha de França; Eugénio dos Santos e Gago Coutinho, no Bairro de Alvalade; e Luís de Camões, ao Areeiro. O levantamento, feito a pedido da câmara de Lisboa, foi realizado há quatro anos. As obras estão atrasadas porque o município e o Governo não se entendem quanto ao suplemento de verbas necessário ao reforço sísmico.