Costumo começar muitos workshops a falar de linguagem positiva, de como passámos anos a ouvir que só se deve dizer “coisas menos boas”, “feedback construtivo” e evitar o “não”. E de como esse discurso postiço e superficial só atrapalha a ligação aos outros, a cooperação e a comunicação clara e honesta.
O exemplo que faz toda a gente saber do que estamos a falar é aquele diálogo em que uma pessoa chega ao pé de outra, a Chefia, por exemplo, e diz: «Tenho um problema»… mas logo é interrompida em tom paternalista pelo interlocutor: «Tu não tens um problema, tens um desafio!». Como a reação generalizada a este ensinamento de vida é irritação, fica fácil a partir daqui explorar o efeito negativo do movimento do pensamento positivo. A ideia base é acreditar que nós temos poder sobre tudo o que nos acontece. E para tal bastará controlar a linguagem que usamos e “manifestar” ao Universo o que queremos que aconteça.
Só que na vida, as coisas não são sempre como nós queremos. Um problema e um desafio são de facto duas coisas diferentes: Um desafio é algo que eu escolho aceitar ou não. Posso medir riscos, vantagens e desvantagens, preparar-me e avançar se assim o quiser. Um problema não se escolhe. Aparece, muitas vezes imprevisível, e somos forçados a lidar com ele ou pode ser ainda mais grave e destrutivo.
Vi uma vez um vídeo em que uma life coach descrevia a sua intervenção com pessoas refugiadas da Síria, acabadas de chegar à Europa e retidas num centro próximo da fronteira. As perguntas poderosas que escolheu usar eram as seguintes: «Quais são as barreiras que estão entre o que cada um de vocês quer mesmo, mesmo, mesmo para a vossa vida e o ponto atual?» e «Porque é que os vossos sonhos ainda não se realizaram?». Imagino que esta intervenção inspiradora avançasse pelas crenças “auto limitantes” e a manifestação ao Universo. A proposta do movimento positivo, de viver como se tivesse controlo sobre tudo, não é só ingénua. É também desonesta. É ingénua porque assume uma visão da vida simplista e infantil, tudo cor-de-rosa, como se bastasse sorrir para a vida para tudo correr bem. Desonesta porque propõe uma negação da realidade, ou alguém acredita que as crianças do Ruanda e Gaza não manifestaram o suficiente ao Universo os seus desejos? A ciência psicológica mostra que todas as emoções são úteis para a adaptação ao meio em que estamos. Por exemplo, a raiva (bem gerida) ajuda-nos a persistir e insistir para mudar o que vemos como injusto, a tristeza ajuda-nos adaptarmo-nos ao que perdemos e não temos poder para alterar. E o autoconhecimento e regulação emocional ajudam-nos a distinguir uma da outra. A capacidade de entender os nossos limites e fazermos o que podemos com o que temos a cada momento, essa sim, pode conduzir à satisfação, bem-estar e conexão com outras pessoas. Pena é que como slogan resulte fraquinho.
Há uns dias estava ao telefone com uma das minhas pessoas preferidas e que está a passar pelo tratamento de um cancro. Eu ia fazer uma palestra difícil para a qual fui convidada e ela ia tirar o infusor da quimioterapia. Despediu-se do telefonema assim: «Então que corra muito bem às duas! Tu com o teu desafio, e eu com o meu problema».