Nota prévia: Há uma expressão que diz que quando ‘a conversa desce de nível, sobe de interesse’. Aconteceu no debate Gouveia e Melo/Marques Mendes. Melo acusou Mendes de ser um lobista e um facilitador de negócios. O problema é que se ficou pela insinuação quase caluniosa sem nada provar, apesar de instado. Melo apresentou-se no estilo agressivo-socrático à porta do tribunal, cheio de recortes de jornais e frases de laboratório. Logo ele que está rodeado de lobistas. Marcou pontos no lamaçal da política. Até pode ter ganho o debate nos cafés. Mas não contribuiu para dignificar a política de Estado. E os portugueses ficaram outra vez sem saber o que ele pensa das coisas fundamentais da vida coletiva.
1. Neste ano que termina, a humanidade perdeu um ser excecional, um farol, uma referência, um avô global que a todos amava, independentemente da origem, credo ou raça. Jorge Bergoglio, o Papa Francisco, não tinha um passado incontroverso como cardeal, mas tornou-se numa referência de Paz, carinho e bonomia, logo que, sem aparatos, apareceu ao mundo, na Praça de S. Pedro. Partiu como chegou: gentil, discreto e terno. Eterno, mesmo. Os seus esforços diários, as suas mensagens persistentes, a sua tolerância não tiveram, infelizmente, o menor efeito positivo. O mundo que ele deixou não é melhor. Longe disso. O ser humano tudo destrói, seja por egoísmo, necessidade de sobrevivência ou ódio. Comprova-se diariamente que a tolerância, o caminho da democracia, a redistribuição equitativa da riqueza e a preservação do ambiente são utopias que o crescimento da humanidade, as suas múltiplas filosofias, sistemas políticos e mentalidades tornam inviáveis. O que se salvará no pós-humano é o planeta que, evidentemente, será capaz de se regenerar nos cinco mil milhões de anos que lhe restam. Mas, para já, os que o habitam estão condenados a depender fundamentalmente de três figuras demoníacas. Duas já tínhamos: Putin e Xi Jinping. A terceira é um ‘remake’ chamado Trump. Voltou democraticamente numa versão agravada e mais perigosa, visto que se trata de um verdadeiro idiota quando comparado com a frieza emocional, cerebral e estratégica dos dois outros. Este trio tem nas mãos a marcha do mundo. É certo que há a União Europeia pelo meio. Mas é sobretudo uma força económica, cujo poder político é frágil no contexto global por ser difícil estabelecer consensos internos. A UE existir é já de si um milagre. Manter 27 nações tão diversas num bloco que ainda tem influência e se rege pela democracia é notável. Quanto aos outros protagonistas, sejam eles do recém-inventado Sul Global, ou de outro lado qualquer, pouco ou nada contam no xadrez mundial. Talvez a Índia possa amanhã ser a exceção, se souber disciplinar-se. Mas o Brasil nunca será um ‘partner’. África continuará a ser uma serventia onde todos se abastecem e roubam, começando pelos de lá. Todos com o maior desprezo pela vida humana e animal. O poder exercido pelo trio demoníaco é enorme, embora temporal. Todos, começando por Trump, bem ou mal o único saído de uma democracia, sabem que estão a prazo em termos pessoais. Todos caminham para os 80 anos. Por mais que se cuidem, estão próximos do fim. E isso torna-os ainda mais perigosos. Sobre Trump as afirmações recentes da sua chefe de gabinete dizem tudo. Confirmam que, além de ser um imbecil, é meio louco com uma estranha patologia de alcoólico abstémio (!). Pelo que se vê, JD Vance, o seu vice-Presidente, não tranquiliza. Quanto a Putin e Xi, seja quem for a emergir dos meandros dos seus regimes, há uma certeza que podemos ter: não haverá um Gorbatchov 2.0. Essa história não vai repetir-se. Lamentavelmente.
2. Na política doméstica, o ano teve dois vencedores óbvios: Montenegro e Ventura. Montenegro limpou novas legislativas antecipadas, reforçando-se no governo, e conseguiu, nas autárquicas, que o PSD voltasse a ser o maior partido, desalojando o PS. Também saiu, judicialmente, ileso do caso Spinumviva, obteve indicadores económicos que iludem a realidade social e, por enquanto, as múltiplas fragilidades dos seus ministros, que não lhe têm afetado a imagem. Por seu lado, Ventura chegou a 60 deputados, tornou-se líder da oposição ao ultrapassar o PS no Parlamento, utilizando a seu proveito o amor-ódio dos jornalistas e do comentariado. Com essa ajuda, consolidou a sua notoriedade em franjas da população, que vão do burguês rico meio parolo ao operário, passando por uma classe média farta de impostos e de escândalos. Não é pouco! Neste apontamento, cabe uma palavra para o Presidente Marcelo, cuja imagem (afetada pelo não provado caso das gémeas) recuperou de forma notável junto de um povo que continua a adorá-lo, como mostram as sondagens.