Há muitos anos que Portugal não vivia um nível tão elevado de insatisfação e conflito social. Perante esta realidade, os setores dominantes recorreram a uma estratégia já conhecida: apoiar novas forças políticas com discursos radicais, oportunistas e demagógicos. O objetivo era o de desviar a atenção das verdadeiras causas do aumento das desigualdades sociais.
Os discursos iniciais destas forças apontaram terceiros – em particular os trabalhadores estrangeiros – como responsáveis pela estagnação e pelo retrocesso económico e social dos portugueses.
O povo português assistiu e assiste, entretanto, inconformado, ao desinvestimento das instituições públicas na luta contra o empobrecimento, a exclusão e a miséria crescente dos grupos mais vulneráveis e envelhecidos da sociedade.
Essa situação foi recentemente denunciada pela diretora executiva da Cáritas, em clarividente entrevista ao jornal Público.
Portugal continua a apresentar níveis de pobreza alarmantes, que afetam até pessoas que toda a vida trabalharam e têm mesmo contratos de trabalho sem termo.
Os trabalhadores têm sofrido, também, uma erosão contínua dos seus direitos, o que se traduz na redução da sua influência política e social na sociedade e num retrocesso das suas condições sociais, económicas e culturais.
Muitos jovens, de diferentes origens sociais, continuam, por isso, a emigrar.
A crise da habitação agrava-se, e a falta de recursos impede a reabilitação de casas antigas e a criação de condições térmicas adequadas.
No inverno, tal situação contribui para o aumento das doenças respiratórias, a sobrelotação das urgências hospitalares e elevados níveis de absentismo laboral.
O número de pessoas sem-abrigo também tem crescido de forma constante — 260% em nove anos, segundo o Público.
O Serviço Nacional de Saúde, a escola pública e a Justiça enfrentam uma grave falta de recursos humanos, financeiros e de enquadramento legal atualizado.
Tais falhas pioram a já de si degradada situação socioeconómica da população e facilitam o desenvolvimento de esquemas ilegais e o recurso à corrupção.
Este conjunto de fatores levou a uma Greve-Geral expressiva, que mobilizou até setores sociais que o bloco político dominante nunca acreditou virem a contestar as políticas que sempre promoveu.
Embora, numa fase inicial, as novas forças populistas e radicais de direita tenham conseguido desviar a atenção dos portugueses destas realidades, acabaram, para se credibilizar, por se autonomizar, apresentando-se agora como as mais contestatárias da situação social do país e das políticas que a ela levaram.
Liberais, sociais-liberais e sociais-democratas, que contavam com os discursos inicialmente adotados por tais populistas para enfraquecer progressivamente o Estado Social, veem-se hoje obrigados a fazer promessas que nunca imaginaram assumir, sob pena de pagarem o preço das políticas que sempre defenderam.
Alarmados, fazem-no, agora, fora das regras e dos objetivos que anteriormente se impuseram.
De forma apressada, procuram regressar à concertação social para rever as leis laborais, ao mesmo tempo que prometem aumentos salariais e de pensões à margem desse processo.
Entretanto, os trabalhadores, de todas as condições e sensibilidades políticas, constataram que a sua participação na Greve-Geral foi acertada: atingiu objetivos importantes que a justificaram.