Capitalismo sem capital

Em 2002 surgiu um manifesto, subscrito por quatro dezenas de personalidades, entre as quais o arquitecto José António Saraiva, agora director do SOL, defendendo a necessidade de políticas tendentes a manter no país os centros de decisão empresarial. O presidente do Novo Banco, Vítor Bento, também assinou esse manifesto.

Tenho grande consideração pessoal e profissional por aqueles dois – e vários outros – subscritores do ‘manifesto dos quarenta’. E reconheço ser preferível que as empresas que entre nós operam tenham em Portugal os seus centros de decisão. Mas o manifesto permitia interpretações proteccionistas, embora repudiasse o proteccionismo, o que me desagradou e me levou a comentar negativamente a iniciativa. Aliás, alguns empresários que assinaram o manifesto pouco tempo depois venderam empresas suas a estrangeiros. 

Hoje não deixa de ser irónico que Vítor Bento, como presidente do Novo Banco, tenha provavelmente de encontrar investidores estrangeiros para accionistas de referência no capital do banco (directa ou indirectamente, através de bancos portugueses onde os accionistas estrangeiros já têm grande peso). Investidores que, em alguma medida, poderão mudar para fora de Portugal a tomada de algumas decisões de fundo quanto ao banco. 

Mas é inevitável recorrer a esses investidores, porque a família Espírito Santo, que até há pouco era um nome prestigiado no país e no estrangeiro, ‘borrou a pintura’ ao servir-se do BES para acudir às faltas de capital do Grupo Espírito Santo (GES), prejudicando o banco, escondendo operações e violando regras ditadas pelo Banco de Portugal. 
Aliás, o facto de as nacionalizações de 1975 não terem sido compensadas por indemnizações mais do que simbólicas está na origem de há muitos anos a economia portuguesa viver numa espécie de ‘capitalismo sem capital’, de que o grupo empresarial da família Espírito Santo é, de resto, um exemplo ilustrativo, com a sua cascata de dívidas.

Mas não são apenas as grandes empresas e os grandes grupos nacionais que têm falta de capital. Em Portugal as pequenas e médias empresas possuem, em regra, escassos capitais próprios. Daí a sua excessiva dependência do crédito bancário e o seu endividamento (o maior da Europa, em percentagem do PIB). Por isso precisamos de capital externo como de pão para a boca. Sobretudo de investimento directo estrangeiro, que crie riqueza e empregos. 

Poderá colocar-se a questão: não irão alguns desses investimentos ‘desnacionalizar’ muitas das nossas empresas? Já aconteceu com a Cimpor e agora (em parte por causa do GES) com a Portugal Telecom. Mas a alternativa é não termos empresas a funcionar no país, ou funcionando fragilmente amparadas em crédito, com o consequente fardo da dívida.

Se porventura consideramos que certas empresas devem em absoluto ter em Portugal os seus centros de decisão, a solução é nacionalizá-las, não protegê-las de uma eventual entrada de estrangeiros. Defendi isso há 12 anos, a propósito do ‘manifesto dos quarenta’ e é o que continuo a pensar. Por exemplo, para que os bancos em Portugal não acabem todos em mãos estrangeiras (já não falta muito), importa manter a Caixa Geral de Depósitos 100% na posse do Estado, sem privatização total ou parcial. No resto do sector bancário, deve-se deixar funcionar o mercado.