Bebés retidos no hospital

Nasceram na mesma maternidade, com poucos dias de diferença: um há dois meses, outro há um mês e meio. Mas apesar de terem tido alta clínica uns dias depois, os dois bebés continuam no Hospital Amadora-Sintra e não foram para casa com as mães: estão ‘retidos’ enquanto o tribunal e a comissão de menores avaliam…

Entre 2011 e 2013, 69 recém-nascidos ficaram neste hospital porque as famílias não tinham condições para os acolher. Mais de metade – 38 – saiu uns meses depois, mas para instituições. 

“Às vezes estes bebés nem têm casa para ir”, diz ao SOL Adélia Gomes, directora do Serviço Social do Hospital Amadora- Sintra, lembrando que o território que este abrange tem graves problemas sociais. Falta de competências parentais, de condições económicas, de alojamento, ou problemas de toxicodependência são factores que impedem os bebés de serem acolhidos em segurança, mostra um estudo elaborado nesta unidade de saúde. 

“São famílias disfuncionais onde não há apenas um problema. A retenção temporária serve para o tribunal avaliar a situação e ver se há condições para irem para casa ou para a família alargada”, acrescenta. Neste tempo accionam-se também os recursos existentes na comunidade, como associações que dão apoio no domicílio e, assim, garantem um acompanhamento às famílias.

Durante a espera, que dura em média três meses, os bebés ficam aos cuidados do hospital, mas recebem visitas da família. “Nem sempre isto é bem aceite pelos pais, pelo que o nosso trabalho passa também por ajudá-los a compreender que todos procuramos o bem estar da criança. Não estamos aqui uns contra os outros”, sublinha Adélia Gomes. Entre os 38 bebés institucionalizados, um terço foi para uma instituição com a própria mãe. 

Há outro dado preocupante, acrescenta a pediatra Maria de Lurdes Torre, do núcleo de apoio à criança e jovem deste hospital: “Entre os 69 recém-nascidos retidos, 20% tinham irmãos já sinalizados como bebés em risco”. Alguns por serem filhos de mães adolescentes, que já tinham tido bebés em idade precoce. 

Há ainda mães que rejeitam o filho logo à nascença e o indicam para adopção: em 2013, foram quatro. Os bebés aguardaram no hospital que a medida fosse decretada pelo tribunal, tendo seguido depois para instituições.

Pobreza em mais de metade dos casos sociais

O relatório do serviço social do Amadora-Sintra mostra que muitas outras crianças sofrem com as dificuldades das famílias, embora nos bebés haja mais problemas. No total, em 2013, as assistentes sociais acompanharam 687 menores sinalizados por médicos e enfermeiros na urgência, na consulta ou internamento. Em 400 casos, havia carências económicas e as famílias afirmaram não ter dinheiro para medicamentos, transporte para as consultas, ou até para a aquisição de leites específicos.

“Sentimos um ligeiro acréscimo dos problemas, mas não significativo”, afirma Adélia Gomes, lembrando que o hospital apenas informa e encaminha para a Segurança Social e para as instituições da comunidade, só dando apoios económicos em casos muitos pontuais. Além da pobreza, em 147 casos detectaram-se ambientes familiares problemáticos, em 180 falta de condições psicológicas das famílias e em 169 crianças situações de negligência.

Quando a situação é tão grave que a criança não pode regressar a casa em segurança, o tribunal ou a comissão podem decretar a ida para uma instituição. A espera para esse acolhimento pode demorar meses, pois a dificuldade de obter vagas é enorme, sublinham ao SOL os técnicos sociais. Se a criança precisar de cuidados especializados de saúde ou tiver uma deficiência, por exemplo, encontrar uma vaga num centro de acolhimento torna-se ainda mais difícil.

rita.carvalho@sol.pt