O lugar do corpo

Porque queremos estar sempre noutro lugar? É esta a pergunta que serviu de motor a Rui Horta para criar a ‘Hierarquia das Nuvens’, que sobe hoje e amanhã ao palco da Culturgest. Esta é, no entanto, uma pergunta ingrata, para a qual o coreógrafo sabe que não encontrará resposta. Mas talvez seja precisamente esta falta…

Esta questão encontrou eco numa conferência de Delfim Sardo, durante a qual o ensaísta abordou a questão do espaço através das heterotopias de Foucault. Na mesma altura, Rui Horta cruzou-se com dois taxistas – um turco na Alemanha que se transportava mentalmente para Istambul e um português à chegada ao Porto que sonhava viver na Alemanha. “Aqueles homens nunca se cruzaram, provavelmente nunca se vão cruzar, mas ambos queriam estar noutro lugar. Hoje em dia, neste mundo de hipermobilidade, temos cada vez mais o corpo num sítio e a alma noutro. E surge a pergunta: porque queremos estar sempre noutro lugar?”.

A resposta é esta 'Hierarquia das Nuvens' que, ao contrário do anterior trabalho de Horta, 'Multiplex', a partir de 'Memórias de Adriano', de Marguerite Yourcenar, não segue uma narrativa, marcando antes o regresso do coreógrafo aos trabalhos mais abstractos. E marca também o regresso de Rui Horta a um universo mais feminino, já que, dos sete bailarinos em palco, quatro são mulheres. “Aconteceu intuitivamente”, explica. “A história da humanidade é uma história de homens, de reis e imperadores. Se aqui procurava um outro lugar, mais poético, porque não fazê-lo no feminino? Até porque acredito que o futuro será feminino”.

raquel.carrilho@sol.pt