“Porto e Lisboa não podem canibalizar-se”

“É preciso trabalhar em conjunto e Porto e Lisboa não podem canibalizar-se. Isto não é futebol e os designers de moda não são futebolistas”, disse ao SOL, no encerramento da 43.ª ModaLisboa, Eduarda Abbondanza, numa clara referência ao mercado milionário das transferências do mundo do futebol.

A ironia diz respeito à saída do calendário de criadores como Luís Buchinho (que passará a apresentar em exclusivo na plataforma do Porto) e Nuno Baltazar (que regressa ao Portugal Fashion onde apresentou colecção pela última vez em 2006, deixando de mostrar as suas criações na ModaLisboa). Transferências que espelham questões de financiamento, que segundo Eduarda Abbondanza são altamente prejudiciais para o mercado da moda nacional.

A discussão é antiga. Existe espaço, em Portugal, para duas semanas de moda – a ModaLisboa, na capital, e o Portugal Fashion, em Lisboa? Os anos têm vindo a provar que sim, no entanto, as questões envolvendo financiamento continuam a suscitar as mais variadas discussões.

A ModaLisboa teve a sua génese em 1991, quatro anos depois surgia o Portugal Fashion, criado pela ANJE –  Associação Nacional de Jovens Empresários e pela  ATP – Associação Têxtil e de Vestuário de Portugal. A plataforma de Lisboa foi sempre associada à moda de autor, enquanto o certame do Porto estava mais ligado à indústria. No entanto, as fronteiras foram-se tornando cada vez mais ténues, até ao nível territorial: desde 2012 que o Portugal Fashion sucessivamente faz parte dos seus desfiles em Lisboa.

Esta falta de definição da área de influência de cada evento está intimamente ligada com questões de financiamento que ficam explícitas se usarmos os valores mais recentes: esta edição da ModaLisboa teve um orçamento de 580 mil euros, dos quais 317.500 chegam da Câmara Municipal de Lisboa e os restantes através dos patrocinadores, já o Portugal Fashion conta com aproximadamente 700 mil euros por edição, sendo um projecto financiado pelo QREN – Quadro de Referência Estratégico Nacional, no âmbito do COMPETE – Programa Operacional Factores de Competitividade.

De certa forma, estas disparidades no financiamento têm ditado, nos últimos anos, que seja o próprio estado a promover a "canibalização", argumenta Eduarda Abbondanza, que o evento do Porto tem feito ao de Lisboa, já que, com um orçamento consideravelmente mais alargado, consegue não só dar outro apoio  financeiro cativando um número crescente de designers, como apostar na sua internacionalização, com os desfiles de Fátima Lopes e Luís Buchinho em Paris, e mais recentemente de jovens talentos em Viena e Londres. "Portugal está num momento em que tem de mudar muita coisa conceptualmente e não pode apoiar umas organizações e não outras, de forma a que umas canibalizem outras", reitera Eduarda Abbondanza, directora da ModaLisboa, certame que, apesar das referidas disparidades, continua a ser visto como sinónimo da vanguarda da moda portuguesa e responsável pela sua génese.

A solução passaria obrigatoriamente pela inclusão da ModaLisboa nos fundos europeus, numa lógica de complementaridade – e equilíbrio – dos dois eventos que só reforçaria o peso da criação nacional. Isto exigiria, no entanto, que a ModaLisboa fosse reconhecida num regime de excepção, previsto na lei, mas que continua ser negado à associação da capital. Uma batalha que, segundo Eduarda Abbondanza, é determinante para o futuro da ModaLisboa, : "A legislação macro é feita pela comunidade europeia, mas a micro é da responsabilidade do nosso próprio Estado. A Modalisboa há muito que devia ser eleita projecto de excepção, está previsto que o possa ser, não percebo porque não é. Se tivermos oportunidade teremos projectos de internacionalização".

raquel.carrilho@sol.pt