O físico de Interstellar

A estreia do último filme de Christopher Nolan teve marketing arrojado. Além de podermos ver Interstellar como se estivéssemos de facto encapsulados numa odisseia espacial – Nolan recorreu à tecnologia Imax – ou de termos ‘experiências’ em 3D, somos seduzidos pela perspectiva de podermos viajar no tempo.

O físico de Interstellar

Mas os marqueteiros de Interstellar não se esqueceram do principal. É que o filme é dos poucos blockbusters ou sagas espaciais de ficção científica que não descura o rigor científico. Nolan não teve dúvidas desde o início da produção e recorreu ao físico norte-americano Kip Thorne como conselheiro científico e produtor executivo.

Daí que a mais recente aventura do autor de A Origem ou de dois exemplares da série Batman já seja colocada pela crítica ao lado de outras duas referências cinematográficas, 2001 – Odisseia no Espaço ou Contacto. Salvaguardadas as diferenças de enredo e tecnologias aplicadas, ambas tiveram forte cunho científico – Arthur C. Clarke elaborou o argumento da primeira com Stanley Kubrick, enquanto a segunda adaptava a única obra de ficção escrita pelo cientista e divulgador Carl Sagan.

Kip Thorne aceitou logo o desafio de Nolan, o ano passado. Afinal, no centro da sua investigação está, justamente, a possibilidade de um dia podermos viajar no tempo. “A possibilidade de um dia podermos recuar no tempo está relacionada directamente com a lei da gravidade quântica. Estamos a algumas décadas de a entender de uma maneira clara, uns 20 ou 30 anos, mas pode ser mais cedo”, disse, numa entrevista ao diário britânico Guardian.

Thorne é um dos herdeiros directos de Einstein e o seu trabalho tem-se desenvolvido em torno das origens do universo, de buracos negros ou dos chamados wormholes. E estes últimos estão no centro da intriga do filme. Segundo o site do Observatório Astronómico de Lisboa, um wormhole (à letra ‘buraco de verme’) “é um atalho hipotético que liga duas regiões de um espaço-tempo”. Ou seja, entramos em 2014 de um lado e saímos do outro em, digamos, 1914. A explicação torna-se mais complexa a partir daqui, e poderia servir, neste ponto, de ‘spoiler’ ao filme. 

Mas a chave de tudo, no futuro, está na física quântica, de acordo com Thorne. Ainda segundo a pequena entrevista que deu ao Guardian, o físico garante que o modo como o universo nasceu vai ser explicado por estas novas leis. Tal como “o que se passa no centro de um buraco negro. Todos os grandes mistérios da física e da cosmologia vão ser explicados por essas leis”.

Amigo do britânico Stephen Hawking, é frequente fazerem apostas sobre determinados conceitos da cosmologia. Tão frequente quanto Thorne vencer essas apostas. Uma delas, recorda o Guardian, obrigou Hawking a fazer uma assinatura da revista Penthouse…

Mas torna-se sério quando vê o desenvolvimento da ciência no seu país. Os EUA, ao mesmo tempo na vanguarda tecnológica e do conhecimento, estão há anos minados por um discurso conservador que nega a ciência. Muitas dessas personalidades, algumas na política, defendem, por exemplo, que as escolas deviam ensinar que descendemos de Adão e Eva em vez da teoria da evolução, ou que as alterações climáticas não existem. “ É muito preocupante para o futuro do meu país. Ter um partido político no poder com anti-intelectuais que não aceitam princípios básicos da ciência é realmente assustador. E é o ponto em que estamos”. O cinema pode dar um contributo, neste caso, para a iluminação dos espíritos…

ricardo.nabais@sol.pt