Cigarros electrónicos são perigosos?

Numa altura em que se instalou a confusão sobre se fumar cigarros electrónicos é ou não perigoso, os oncologistas dizem não ter dúvidas de que os riscos para a saúde são graves e pedem ao Governo para avançar urgentemente com a regulamentação deste mercado, que vive num vazio legal.

“De acordo com os estudos que existem tudo indica que esses cigarros também podem provocar cancro, pois contém substâncias carcinogénicas”, alerta Lurdes Barradas, directora do Serviço de Pneumologista do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Coimbra, sublinhando que é já certo que estes produtos provocam pneumonias lipoides, que resultam de inalações profundas: “Já houve dois casos documentados no mundo”.

Também o médico Manuel António da Silva, responsável deste IPO, diz que as substâncias já detectadas nestes cigarros “provocam alterações celulares graves que podem originar cancro”.

Perante este cenário de incertezas, Ricardo da Luz, da direcção da Sociedade Portuguesa de Oncologia, considera crucial que os portugueses sejam prudentes e não utilizem estes aparelhos. “Neste momento há muitas dúvidas e elas são suficientemente fortes para não se recomendar estes cigarros electrónicos como forma de deixar de fumar”, diz, sublinhando que os inúmeros estudos divulgados sobre estes produtos, que surgiram em 2003, “são muito precoces porque ainda não houve tempo de utilização suficiente para se avaliar os efeitos da toxicidade a longo prazo”.

No último ano, sucederam-se artigos científicos sobre estes produtos que têm cada vez mais adeptos pelo mundo – estimando-se que já 100 mil portugueses os utilizem como alternativa ao tabaco (ver infografia).

Mas os resultados dos trabalhos, muitos deles de organismos científicos, têm causado confusão na opinião pública por serem contraditórios. Uns garantem que os cigarros electrónicos são um mal menor, considerando-os menos prejudicais do que o tabaco e até uma ferramenta muito útil para os fumadores largarem o vício. Outros concluem que têm mais perigos, como a investigação divulgada há pouco mais de um mês – e encomendada pelo Ministério da Saúde japonês que quer legislar sobre a matéria – que conclui que o fumo destes cigarros liberta dez mais formaldeído (substância cancerígena) do que o tabaco tradicional.

Já antes, em Agosto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tinha decidido tomar uma posição devido à confusão instalada e ao aumento do número de utilizadores, recomendando cautelas no uso destes cigarros por puderem ser perigosos. Uma recomendação que foi logo criticada por um grupo de médicos britânicos – da University College London – que a consideram “alarmista”.

Novas regras discutidas no Parlamento

Em Portugal, o Ministério da Saúde está a preparar alterações à legislação do tabaco e, segundo o SOL apurou, pretende enviar o documento para a Assembleia da República de forma que seja aprovado neste primeiro semestre.

Em causa está a transposição de uma directiva europeia sobre tabaco que, pela primeira vez, legisla sobre os cigarros electrónicos: estabelece critérios apertados para o seu fabrico, define a informação a incluir nos rótulos (como referências de que não devem ser utilizados por menores e não fumadores) e determina que a partir dos 20 ml de nicotina devem ser considerados medicamentos, sujeitando-se às mesmas regras e limitações destes produtos farmacêuticos.

“Foi uma directiva muito difícil de negociar porque há uma grande controvérsia em relação aos cigarros electrónicos”, diz ao SOL Edite Estrela, a ex-eurodeputada que em Bruxelas esteve envolvida no debate destas novas regras, lembrando que perante “um produto novo e ainda pouco estudado” existiam grandes divisões entre os deputados. “Tanto havia quem o considerasse uma alternativa extraordinária ao tabaco, como quem defendesse precisamente o contrário, mas não havia estudos científicos suficientes para clarificar todas as dúvidas”, recorda.

Por isso a directiva impõe regras claras sobre manufactura e rotulagem, mas deixa ao critério dos Estados-membros a forma como estes produtos, quando têm menos de 20 ml de nicotina, devem ser classificados, bem como os locais onde podem ser usados.

Para os médicos ouvidos pelo SOL é urgente legislar sobre esta matéria, já que os cigarros electrónicos não estão sujeitos a quaisquer regras específicas.

“É preciso actuar com urgência, regulamentando o fabrico e utilização destes produtos, de forma a que possa ser sujeitos a um controlo e análises eficazes”, avisa Helena Gervásio, presidente do Colégio de Oncologia da Ordem dos Médicos, que promete tomar este ano posições públicas sobre o tema, em conjunto com a Sociedade Portuguesa de Pneumologia – que em Outubro último considerou que estes cigarros podem ser “um retrocesso” no combate ao fumo por manter a dependência da nicotina.

A oncologista defende, por isso, medidas radicais: “Até que os estudos determinem os seus efeitos na saúde a longo prazo, estes cigarros devem ser proibidos em espaços fechados porque contém produtos químicos e tóxicos”.

Mas para a Associação Portuguesa das Empresas de Cigarros Electrónicos (APECE) – que representa a maioria das 400 lojas no país – apenas faz sentido proibir o consumo destes produtos em escolas e hospitais. “O fumo destes cigarros não é inócuo mas é 60 a 70% menos prejudicial do que o tabaco”, alega Tiago Machado, presidente da APECE.

'Enorme desinformação'

Apesar de defender que só devem ser usados por fumadores maiores de idade, o responsável da associação das empresas distribuidoras destes produtos garante que “os estudos mostram que são menos nocivos do que o tabaco, que contem mais de 4.000 substâncias tóxicas”.

A APECE queixa-se, aliás, da “enorme desinformação” na opinião pública sobre este produto, que justifica com a “guerra de mercado entre as tabaqueiras, que já dominam o mercado dos cigarros electrónicos, e as farmacêuticas”.

Tiago Machado lamenta ainda a forma pouco clara como muitos estudos são divulgados. “A investigação japonesa, por exemplo, diz que o cigarro electrónico liberta uma substância cancerígena numa quantidade dez vezes superior à do tabaco, mas isso só acontece quando o produto atinge uma temperatura de 500º e a maioria destes cigarros funcionam a 180º C”.

Além disso, os próprios distribuidores exigem uma clarificação das regras sobre o consumo e a venda destes produtos. “É preciso garantir que a produção e a distribuição venham a cumprir todas as normas que forem definidas no futuro pela legislação”, defende o responsável.

O que não impede que, já a partir do próximo mês, os líquidos contendo nicotina usados nestes cigarros comecem a ser feitos em Portugal, numa fábrica em Leiria, respeitando as regras a nível comunitário.

Guerra à vista no Parlamento

O tema promete continuar a dividir a sociedade e lançar polémica entre os que defendem as vantagens desta alternativa ao tabaco. Uma controvérsia que chegará ao Parlamento, onde a futura legislação terá de ser votada.

A deputada do PS Isabel Moreira garante que não vai baixar os braços para defender um produto que, acredita, tem inúmeras vantagens face ao tabaco e com o qual conseguiu deixar de fumar dois maços por dia, ao fim de 23 anos. “Está cientificamente provado que estes cigarros são menos nocivos e têm vantagens face ao tabaco, apesar de a Sociedade Portuguesa de Pneumologia não as reconhecer. Eu, que comecei a usá-los há dez meses, respiro melhor, tenho mais resistência física e recuperei o sabor dos alimentos”, conta ao SOL a socialista que 'fuma' cigarros electrónicos no hemiciclo e nas comissões parlamentares, tal como outro colega de bancada, o deputado João Galamba.

 Lamentando que o Executivo tenha começado a taxar estes cigarros como produtos de tabaco, Isabel Moreira revela que vai propor ao seu grupo parlamentar que peça a fiscalização constitucional do novo imposto, que duplica o preço das recargas de nicotina usadas. “O Governo justifica a decisão com razões de defesa da saúde e equidade fiscal, mas não regulamenta o mercado e está a taxar como tabaco um produto que não contém tabaco”, defende a deputada, para quem esta medida tem apenas como objectivo desincentivar o consumo, ameaçando a sobrevivência deste mercado.

joana.f.costa@sol.pt