Casa do Rio Vermelho: um memorial para Jorge Amado

Há no Brasil o louvável costume de homenagear pessoas que se distinguiram em vida no campo das artes, das letras, da ciência ou da política, através da construção de um edifício grandioso, de um conjunto escultórico ou da moradia em que o homenageado viveu a que é dado o nome de ‘memorial’.

Dois dos últimos homenageados foram Jorge Amado e Zélia Gattai, por iniciativa da família e da prefeitura de Salvador. A escolha do memorial recaiu sobre a mítica – segundo lhe chamou a jornalista July – casa onde Jorge e Zélia viveram durante perto de 40 anos: a Casa do Rio Vermelho.

Fica na Rua Alagoinhas, 33, e foi adquirida por Jorge Amado em 1946 com o dinheiro arrecadado com a venda dos direitos do livro Gabriela Cravo e Canela. A obra foi adaptada ao cinema pela Metro Goldwin Mayer, o que levou o escritor (que era deputado do partido comunista do Estado de São Paulo) a dizer que comprara essa casa “com o dinheiro do imperialismo americano”.

Jorge Amado transformou-a depois num pequeno mas qualificado museu, com obras de arte dos ilustradores dos seus livros: Carybé, Calasans Neto, Floriano Teixeira, Carlos Bastos, Jenner Augusto e Mário Cravo. Mas também ali se encontram trabalhos de artistas portugueses seus amigos, como Júlio Pomar, Francisco Relógio e Cargaleiro, e numerosas peças de artesanato em barro de Rosa Ramalho e de José Franco (que Jorge Amado, nas suas vindas a Portugal, nunca deixava de visitar na sua Aldeia Saloia, em Mafra).

Cinzas repousam no jardim

O seu neto Jonga (João Jorge Celestino Amado) afirma que a ideia da família e da prefeitura foi deixar a casa o mais possível igual à época em que o casal ali viveu, com todos os objectos nos seus lugares habituais, desde a velha máquina de escrever – cujas teclas bateram as letras de muitos dos seus romances – a todos os objectos pessoais, incluindo muitas dezenas de pequenos recuerdos adquiridos nas suas viagens pelo mundo. Jonga diz ainda que o avô Jorge gostava muito de “concretar” obras de arte nas paredes da casa, tendo incrustado azulejos de Picasso, de quem foi grande amigo.

Através da cedência ao município de Salvador do espaço ocupado pela moradia e uma importante área adjacente, incluindo um jardim  (onde quase todas as árvores foram plantadas por Jorge Amado, incluindo a mangueira junto à qual foram colocadas as suas cinzas e as da mulher), a família e a prefeitura assinaram em 1 de Abril do ano passado um convénio, iniciando-se a seguir as obras de adaptação da moradia a memorial com base num projecto do arquitecto português Miguel Correia.

A 7 de Novembro, a Casa do Rio Vermelho foi inaugurada com pompa e circunstância, com a presença especial de actrizes  que representaram as figuras femininas dos romances de Jorge Amado, no cinema e nas telenovelas, com uma especial referência a Sónia Braga, que viveu na tela a inesquecível figura de Gabriela.

Uma larguíssima quantidade de vídeos, totalizando mais de dez horas de projecção,  irão permitir mergulhar na intimidade da vida de Jorge Amado e Zélia. Depoimentos de personalidades, amigos e familiares do casal são apresentados em vídeos de 15 minutos, divididos em cinco telas, com os títulos de A Bahia de Jorge Amado, A Amizade é o Sol da Vida, A infância/memórias de Dona Lalú, Os viajantes, Varanda, amores e amantes amadianos, Zélia Gattai, companheira, Graças a Deus, Trocando cartas – o comunista, Sala das leituras, Mais vidas, tantas obras, Os amados sabores de Jorge, Cozinha de Dona Flor, Jorge e o candomblé e Lago dos Sapos (recordando-se que o sapo era o animal preferido de Jorge Amado).

Pão-de-ló português

O espaço dedicado à leitura dos 45 livros que o escritor publicou chama-se precisamente Sala das leituras e fica ao lado da biblioteca. Lá estão disponíveis 41 leituras, em vídeo, numa tela de cinema, feitas por Caetano Veloso, Daniela Mercury, Regina Casé, Ivete Sangalo, Sónia Braga, Paloma Amado e Paulinho da Viola.

Há dois espaços reservados à gastronomia – Os amados sabores de Jorge e Cozinha de Dona Flor – carinhosamente preparados por Paloma Amado, filha do casal e autora do livro A comida baiana de Jorge Amado.

Jorge e Zélia apreciavam sobremaneira a gastronomia portuguesa, fazendo as devidas honras ao pão-de-ló do Natário, aos pastéis de Belém ou ao arroz doce de Dona Clarinda. Aliás, Jorge Amado deu o nome do fabricante do pão-de-ló do Natário, de Viana do Castelo, a uma personagem de Tocaia Grande. E numa das suas estadas em Portugal participou num congresso de gastronomia organizado pela Confraria dos Gastrónomos do Minho. O almoço de sarrabulho foi no restaurante de Ponte de Lima, o jantar no Camelo de Portuzelo, em Viana do Castelo, e a merenda no Mariana de Afife.

A partir de agora, os portugueses que se deslocarem ao Brasil poderão visitar o memorial em Salvador da Bahia e depositar uma flor no local onde se encontram as cinzas de Jorge Amado e Zélia Gattai.

A prefeitura de Salvador investiu seis milhões de reais (dois milhões de euros) na Casa do Rio Vermelho, e tem a expectativa de 10 mil visitantes por mês na época baixa e 30 mil na alta.