Óscares 2015. O Jogo da Imitação: Uma História pouco descodificada

Pode um ‘biopic’ pouco ou nada dizer sobre a história do retratado? Parece ser o caso de O Jogo da Imitação, de Morten Tyldum.

Baseado na obra literária de Andrew Hodges, que conta a história de Alan Turing, um matemático e criptoanalista que ajudou a quebrar o sistema de codificação de mensagens nazi – através das máquinas Enigma – e ganhar a II Guerra Mundial, a fita é uma das finalistas na corrida deste ano ao Óscar de Melhor Filme.

Turing, interpretado pelo actor britânico Benedict – ‘que nunca desilude’ – Cumberbatch, é-nos apresentado nas três fases mais importantes da sua vida. Na infância, onde o tímido e inseguro jovem Alan é vítima de bullying por parte de vários colegas no colégio interno, tendo apenas como amigo – e amor secreto – Christopher.

O mesmo cenário é depois de alguma maneira transposto para Bletchley Park, onde Turing começa a trabalhar numa solução para decifrar os códigos da Enigma. Também aqui o matemático é marginalizado pelos seus colegas até conseguir provar que a máquina que estava a construir para desconstruir o código nazi tinha, de facto, pernas para andar.

Por fim, deparamo-nos com um Alan Turing, já longe da glória, ainda que secreta para o grande público, depois de ter sido denunciado pela prática de actos homossexuais, na época um crime no Reino Unido.

Sendo que a narrativa principal se centra em Bletchley Park, com os restantes dois cenários a completarem esta trama, ficamos a conhecer um matemático obsessivo, incompreendido pelos seus superiores e colegas mas que pouco se importa com as suas opiniões. A única que parece compreendê-lo é Joan Clarke, interpretada por uma insípida Keira Knightley, cuja constante expressão de espanto e boca semicerrada a persegue ao longo do filme. É esta personagem que parece puxar Turing para a realidade, tornando-se um pouco no seu Christopher de Bletchley Park.

O Jogo da Imitação é um filme que satisfaz apenas razoavelmente a curiosidade dos espectadores que pouco ou nada sabem sobre o britânico. Passa por todas as fases importantes da sua vida, mas sem nunca entrar em pormenores.

Pouco se fica a saber sobre o funcionamento efectivo da máquina construída por Turing e baptizada de ‘Christopher’, por exemplo. E também não nos é dado a conhecer o contributo da máquina para o desenvolvimento dos actuais computadores pessoais.

Ainda assim, e numa das cenas melhor conseguidas, é difícil ficar indiferente ao entusiasmo de Turning quando este, meramente presenciando uma conversa de café, percebe qual a chave para descodificar o impossível código nazi – tudo graças à interpretação de Cumberbatch. É de destacar também o momento em que o matemático explica ao agente da polícia a sua tese de que as máquinas também pensam e que é errado assumir que elas não o fazem só porque é um raciocínio diferente do humano.

Outra das falhas é que ficamos sem saber o que aconteceu a Turing e, especialmente aos seus companheiros de luta, após a temporada em Bletchley Park.

O estigma da homossexualidade também é timidamente explorado ao longo do filme. O espectador sabe da paixão do protagonista pelo seu colega de escola e que há uma relação homossexual fugaz que o leva a ser condenado e que, posteriormente, o conduz ao suicídio, mas nada mais. Apercebemo-nos há algo de estranho na relação de Turing com o colega de trabalho Hugh Alexander (Matthew Goode), mas esta ligação também é pouco explorada.

De mencionar ainda é a interpretação discreta mas sólida de Mark Strong, como um agente dos serviços secretos britânicos MI6. Uma nota: esta personagem, Stewart Menzies, existiu de facto e foi a base para o/a “M”, chefe de James Bond na obra de Ian Fleming.

Alan Turing suicidou-se em 1954 com apenas 41 anos. Tinha sido condenado em 1952 por actos homossexuais e, para evitar a prisão, submeteu-se a castração química – um tratamento que até lhe tirou a sua paixão por fazer puzzles.

Acima de tudo, o filme reduz a complexa e interessante vida de um herói da II Guerra Mundial à história de um homem brilhante que não soube fazer o luto do primeiro amor, cujo nome atribuiu à sua invenção, e de quem não se separou até aos últimos momentos de vida – nas cenas finais do filme, vemos um Turing já sob os efeitos secundários da castração química, anda inseparável do seu Christopher.

Foi só nos últimos anos que a história trágica deste génio e do seu contributo para o Reino Unido e para o mundo foi tornada pública. Em 2013, a Rainha de Inglaterra concedeu-lhe um mais que merecido perdão real.

A família de Turing diz ter ficado satisfeita com o filme e com a interpretação de Cumberbatch. Mas o espectador sentirá sempre necessidade de ir à Wikipedia para saber algo mais sobre este herói tão maltratado pela história britânica.

rita.porto@sol.pt