Uma polícia no ringue de combate

Marisa Pires não é uma polícia qualquer. Aos 24 anos, esta subcomissária comanda uma esquadra no centro de Lisboa e dá cartas no mundo das artes marciais. Por trás do rosto de menina, porte ágil e estatura média, esconde-se uma lutadora exímia que já conquistou mais de uma dezena de medalhas e títulos internacionais de…

Costumo dizer que vou jogar. Para mim é um jogo em que tenho de ser mais rápida e inteligente do que o adversário, diz a atleta, que em Janeiro foi notícia pela última vez ao ganhar o campeonato ibérico de muay thai na categoria de -57kg, que decorreu em Loures, na gala do 27.º aniversário da Federação Portuguesa de Kickboxing e Muay Thai. Em 2011 venceu o campeonato do mundo de profissionais, em Lisboa, e no ano passado sagrou-se campeã da Europa, na Polónia.

O interesse pelo desporto nasceu muito antes de descobrir que queria ser polícia. Natural do Barreiro, a mais nova de cinco irmãos cedo soube o que era ir treinar para o ginásio. Aos dez anos, dava os primeiros passos no kickboxing, influenciada pela irmã e pelo cunhado, treinadores na modalidade. E o 'bichinho' foi-se instalando. A primeira medalha ganhou-a aos 16 anos, ao vencer o campeonato europeu, em Castro Marim. O muay thai veio pouco depois. Fui aprofundando os movimentos nos treinos. E a dada altura tive o privilégio de ir ao ginásio do Nuno Neves e ser treinada pelo melhor atleta português. Em poucos meses, passou a fazer parte da selecção nacional.

A carreira policial começou a desenhar-se nessa altura. Influenciada pelo cunhado, agente no Corpo de Intervenção da PSP, candidatou-se ao Instituto Superior de Ciências Policiais aos 17 anos, terminado o 12.º ano. Foi passando em todas as provas e entrou. Mas logo nesse ano teve de fazer uma escolha decisiva. A minha primeira semana de integração no Instituto coincidia com um campeonato do mundo. Ainda tentei perceber se podia entrar depois, mas tive de escolher: ou o mundial ou a polícia. Marisa não hesitou: Pensei 'não vou pôr de lado uma coisa que quero muito por outra que posso recuperar depois'. Para ela, menina certinha com uma educação tradicional e vários atletas na família, a polícia era o caminho natural. Tenho um sentido de missão, ponho os outros em primeiro lugar e estava habituada a regras e a disciplina.

Determinada por natureza, sempre conseguiu conciliar as duas paixões e, mesmo durante os cinco anos do curso, tirado em regime de internato (só saía aos fins-de-semana), nunca suspendeu os treinos e os combates – ia ao ginásio todas as sextas e sábados. Notava alguma dificuldade nos campeonatos, mas continuava a praticar. Aliás, ainda estava no instituto quando ganhei o primeiro título do mundo como profissional.
 
'No ringue, tento usar mais a técnica do que a força'

Concluído o curso, Marisa Pires foi colocada em Faro, mas ao fim de um ano voltou para a capital, onde passou a comandar, desde Julho do ano passado, a 11.ª esquadra, na Penha de França, onde tem a cargo mais de 50 homens. Uma tarefa que não a intimida. O desporto preparou-me de certa forma para esta função: disciplinou-me e tornou-me mais responsável. Estou, de resto, habituada a treinar pessoas mais velhas desde os 16 anos, quando substituía a minha irmã como treinadora, explica a atleta, que se diz calma quer como polícia quer como lutadora. Nunca tive nenhum stresse nem procuro conflitos. Mesmo no ringue, tento usar mais a técnica do que a força. E isso também de reflecte no meu serviço: tento ponderar todos os conflitos.

Com um horário exigente (os turnos de 24 horas são frequentes), o dia-a-dia desta mulher não é fácil: Acordo às sete da manhã, saio do serviço por norma nunca antes das 19h e treino todos os dias. Chego a casa pelas 23h30 e deito-me uma hora depois. Por dia, treina em média duas horas num ginásio da Baixa da Banheira e mesmo ao fim-de-semana não faz pausas. Qual é o segredo? Quando queremos muito uma coisa, encontramos sempre forças. Mas nunca prejudiquei a minha profissão por causa de um treino ou competição. O resto, diz, é pura disciplina, até na dieta – o peso é controlado ao pormenor. Tenho por norma 61 kg, mas consigo descer com alimentação e treino específico. Na altura dos combates, não como pão, tenho muito cuidado com os hidratos (prefiro batata-doce a massas e arroz) e claro que o álcool e o tabaco são proibidos.

Numa modalidade onde as mulheres são raras, o objectivo de Marisa é manter-se em forma para conservar os títulos e ficar sempre entre as melhores. Normalmente esta carreira acaba por volta dos 35 anos, porque a recuperação de lesões é mais difícil e os hematomas já não se curam da mesma forma. No entanto, espero competir até as canelas aguentarem. Sei que ainda posso ganhar mais cinturões, diz a atleta, que confessa ter outro sonho – fazer um estágio de um mês na Tailândia para 'beber' a tradição e os conhecimentos da terra mãe do muay thai, mas para isso preciso de patrocínios….

Nunca se sabe. Os desafios são tudo para Marisa Pires, que quer entrar um dia no Corpo de Intervenção ou no Grupo de Operações Especiais. Era interessante, afinal não há nenhuma mulher nestas elites…, remata, com um sorriso.

sonia.graça@sol.pt