Cahiers du Cinema: Manoel de Oliveira é um dos maiores artistas da segunda metade do século XX

O cinema de Manoel de Oliveira “é o sentimento de todas as coisas”, segundo a revista francesa Cahiers du Cinema, que dedicou vários números ao realizador, considerando-o “um dos maiores artistas da segunda metade do século XX”.

Cahiers du Cinema: Manoel de Oliveira é um dos maiores artistas da segunda metade do século XX

Sobre "O Dia do Desespero" (1992), a revista mensal escreveu, na secção dedicada aos filmes do mês, em Abril de 1993, que, "no cinema de Oliveira, o olhar é o início e o fim. E é o sentimento de todas as coisas. (…) Cada plano, em última instância, é visto pelo espectador, último depositário, que, no imaginário do filme, é a cor invisível de todos os planos".

"No cinema de Oliveira, é quando a convenção atinge o seu ponto paradoxal que o real surge. (…) O real é uma bolsa de ar que se cria sem aviso em torno da trama e da convenção, e que tem por objectivo abalar as certezas do espectador" .

O mesmo texto afirma que, no cinema de Oliveira, "o actor de cinema é um homem que é a reincarnação de uma personagem que ele não conhece, mas que o cineasta é o único a poder reconhecer".

Manoel de Oliveira morreu hoje, aos 106 anos.

A propósito do seu centésimo aniversário, escreveu a revista, na sua edição de Dezembro de 2008: "Essa longevidade é uma aventura excepcional, e sempre activa. (…) Ele não para de pôr em causa, filme após filme, o teatro e a pintura, as imagens e as palavras, o romance e o ensaio, o corpo de estrelas e de desconhecidos, as línguas de aqui e de fora, o passado e o presente, as canções, os textos sagrados, a grande história e todas as pequenas."

O cinema de Oliveira, rematava o texto, "é uma inesgotável máquina de pôr em causa, em crise e em piada". Nessa edição os Cahiers do Cinéma festejavam "o aniversário de um homem, mas sobretudo uma festa para o cinema".

O crítico Jean-Michel Frondon, então chefe de redacção da revista francesa, considerou, na altura, Manoel de Oliveira "um dos maiores artistas da segunda metade do século XX", um realizador que mostrou ser criativo desde os primeiros tempos e que "inventou uma nova relação entre ficção, realidade e literatura".

Na edição de Outubro de 1981, quando "Amor de Perdição" (1979) e "Francisca" (1981) consagravam o realizador a nível internacional e, em França, em particular, o jornalista Charles Tesson escrevia, no lançamento de uma entrevista com o realizador: "As entrevistas com Manoel de Oliveira são extremamente invulgares. Ir ao seu encontro é penetrar um instante no questionário familiar de um cineasta sobre a sua prática e a sua obra. Uma reflexão aberta, uma circulação permanente e estimulante do particular ao geral, do trabalho ao filme".

"Artesão, só, Manoel de Oliveira foi-o desde o início e durante muito tempo, pela força das circunstâncias", prosseguia o jornalista, aludindo a dificuldades de produção em Portugal, etc. "Artesão, só, único, Manoel de Oliveira — prosseguia Tesson – continua a sê-lo, mas pela força do seu cinema. A sua grandeza, o seu paradoxo, decorre do facto de ele ser, ao mesmo tempo, modesto e imenso".

Lusa/SOL