Mr. Magoo!

Visto de Bruxelas, o que se passa em Portugal é difícil de explicar e chega, mesmo, a roçar o absurdo!

alguém me recordou alguma semelhança com mr. magoo, uma figura de desenhos animados que – entre miopia, distracção, ingenuidade e irresponsabilidade – atravessava perigos e riscos mortais sem os reconhecer ou convencido de que tudo acabaria por correr bem.

derrubou-se o governo no pior momento, exactamente aquele capaz de causar o máximo de danos; ou seja, quando o governo, há meses na mira dos ataques internacionais, acabara de negociar mais um ‘prolongamento de vida’ e, em paralelo, os chefes de estado e de governo da zona euro penosamente se mexiam para consolidar o futuro mecanismo de estabilização financeira, assim tentando convencer os operadores financeiros internacionais de que, afinal, a solidariedade europeia funcionaria, tornando inoperante a especulação contra os países mais frágeis do euro.

tudo estava colado com pinças e não iria ser fácil que tudo ‘batesse certo’. por isso foi tão fria a reacção de angela merkel, durão barroso e olli rehn, entre outros, à absurda decisão portuguesa que conduziu à demissão do governo, apesar de ela significar, na prática, a abertura de uma hipótese de acesso ao poder para o psd, partido que representa, em portugal, as cores políticas daqueles responsáveis políticos europeus.

mas não se ficou por aqui: o partido que queria ser poder não tinha, afinal, agenda de governação e, entre contradições sucessivas, resolveu sensatamente recolher-se até maio para pensar o que faria se viesse a ser governo. entretanto, assistiu-se a que gente supostamente experiente e avisada em matérias europeias e internacionais tenha vindo, ingenuamente, propor ‘empréstimos intercalares’ ou ‘imaginação’ em face de um mecanismo de resgate violentíssimo e que se vai construindo à medida que os problemas rebentam. e este ‘filme’ continuou com um processo negocial vital a decorrer e o maior partido da oposição candidamente a exigir que se ‘negoceie só um bocadinho’ para que a eles possa caber a negociação do resto, quando acabarem de pensar e tiverem sido eleitos…

e agora? pessoalmente, não me parece útil juntar-me ao coro do ‘entendam-se’, antes julgo mais importante relembrar que acabou a europa que se interessava pela sua própria construção e que gostava de portugal e dos portugueses, a europa de jacques delors, helmut kohl, françois miterrand, mário soares! o que hoje predomina são agendas nacionais a cumprir e eleitores nacionais a satisfazer – eleitores para quem as guerras europeias e os horrores do nazismo e dos regimes totalitários não são mais do que capítulos chatos de um livro de história. assim se obedece a uma única lógica: ‘não gastaremos nem um euro para ajudar/salvar países com problemas’.

está em portugal uma equipa negocial tripartida (comissão europeia, fmi e bce) vocacionada para negociar segundo um mandato que é condição sine qua non para acedermos a um fundo que, com os ratings miseráveis que nos foram infligindo, é hoje a única hipótese de financiamento de que dispomos. não se trata de um apoio mas de um resgate que, contra a norma do velho fmi, aparece associado a termos como bail-out, falência, incumprimento e insolvência; também ao invés do velho fmi, não se trata de um ‘instrumento institucional’ mas de um fundo de direito privado sedeado no luxemburgo que empresta a taxas elevadas e requer, para actuar, a unanimidade de todos os países envolvidos no seu capital.

as condições de financiamento vão ser duríssimas e não terão a ver, no essencial, com o nosso bem-estar colectivo ou com o nosso futuro. portugal tem de as negociar ao detalhe, ainda que dentro da margem estreitíssima que sobrou no fim de tantos ‘tiros nos pés’. e, naturalmente, o pacote negocial começará pelas medidas do pec iv, embora venha a ser reforçado com propostas de ‘remoção dos obstáculos à flexibilização do mercado de trabalho’ e de um robusto pacote de venda de activos nacionais.

boa sorte aos negociadores! espero que o seu sentido patriótico e competência técnica superem a fragilização política que os feriu. é que, apesar das circunstâncias, importa atingir alguns objectivos: primeiro, garantir condições para um crescimento a médio prazo capaz de gerar emprego e condições de reembolso do que hoje nos emprestam; depois, garantir que a partilha de custos seja suficientemente justa para não nos empurrar para situações sociais internas insustentáveis; por último, garantir que a venda dos activos nacionais não seja feita ao desbarato ou hipotecando mais o futuro…