O soberano

A Islândia inspira. Mostra que um povo, quando emerge como protagonista da sua própria história, pode alcançar resultados surpreendentes.

hoje escrevo da islândia, onde me encontro. a islândia era um país do ‘fim do mundo’ quando acedeu à independência em 1948. até aos anos 80 andou esquecido e ninguém se incomodou particularmente com tal facto.

só lentamente esta ilha de pescadores se abriu ao mundo. o momento da viragem foi em 1994, quando aderiu ao espaço económico europeu, uma antecâmara da união europeia. foi esta decisão que obrigou reiquejavique a aceitar a liberdade de circulação de capitais, para lá do derrube de umas quantas barreiras alfandegárias. entre 1994 e 2003, a banca e as principais empresas foram privatizadas. uma ideia começou a fazer caminho entre os novos ricos: fazer da islândia a suíça do árctico.

durante uns anos, reinou a euforia. em 2008, a islândia era a primeira no ranking do índice de desenvolvimento humano da onu, o 5.º país do mundo em pib per capita e o 7.º em ganhos de ‘competitividade’ mundial. o sistema financeiro era elogiado pelas instituições internacionais e até alguns milhares de portugueses para lá foram tentar a sua sorte. este foi o lado bom da história.

do outro lado, estava a verdade escondida de uma imensa mentira. sem regulação nem supervisão, os bancos endividaram-se bem para lá de qualquer razoabilidade. quando estoirou o crash das bolsas, em setembro de 2008, tudo se precipitou. as dívidas da banca eram de tal ordem que era impensável nacionalizar. a islândia faz então o inusitado: decide proceder à liquidação dos bancos em ruptura de pagamentos. por outras palavras, o estado respondeu pelas perdas dos seus cidadãos transferindo os activos para novos bancos, e remeteu para os accionistas e para os credores as responsabilidades da dívida criada. isto não evitou uma brutal desvalorização da moeda, a queda da produção e o desemprego, uma novidade na ilha. mas teve, pelo menos, uma virtude: quem criou a dívida ficou com ela nas mãos.

asegunda novidade islandesa foi o povo. entre a islândia e o reino unido e a holanda, desenvolveu-se um conflito sobre os activos de uma sucursal de um dos bancos em liquidação. em causa estavam (e estão) 4 mil milhões de euros, qualquer coisa como 50% do pib. o primeiro acordo era leonino para as duas monarquias e o povo rejeitou-o em referendo, corrigindo a decisão do parlamento. para surpresa geral, a recusa abriu uma renegociação.

os termos do segundo acordo melhoraram substancialmente, mas o povo voltou a rejeitá-lo. do que percebi, uma nova renegociação está de facto a ocorrer nos bastidores. a islândia inspira. mostra que um povo, quando emerge como protagonista da sua própria história, pode alcançar resultados surpreendentes. eles acabarão por pagar o que acham dever pagar e a um ritmo que não liquide a recuperação da economia.