A arder

É irrelevante se a Grécia, Portugal e a Irlanda são parecidos ou diferentes. Estes países foram irremediavelmente ligados pelos ‘mercados’ e suas agências de notas.

dizia o português – «nós não somos como a grécia». e o espanhol – «nós não somos como a grécia». por algum tempo, todos acreditaram. sucede que, em março deste ano, o banco central europeu informou os banqueiros privados de que não aceitaria mais títulos de dívida lusos. em dias, portugal apresentou-se ao resgate.

apesar disso, continuámos a acreditar – «nós não somos como a grécia». só os espanhóis modificaram ligeiramente a frase – «não somos como os gregos nem como os portugueses».

na verdade, esta crença nas diferenças traduz um desejo político – ganhar tempo para nos pormos ao fresco, ou seja, longe dos gregos. num debate gravado em estrasburgo esta semana (para a rtp), assisti, atónito, ao modo como um dos representantes dos partidos do governo decidiu desfigurar os gregos em registo alemão. psicologicamente, a coisa até se explica – há que esconjurar o espectro da tragédia.

sucede que ela chegou no dia seguinte, quando uma das agências de rating que o governo paga para nos tramar, atirou com o nosso país para o lixo. acto contínuo, a prevista colocação de dívida a três meses falhou e, em espanha, os juros da sua dívida voltaram a disparar…

quando a crise da dívida soberana obrigar a espanha a pedir um resgate é porque o euro acabou sem anúncio prévio. aquilo é demasiadamente grande para ser resgatado. seja como for, ainda é possível travar a escalada. apenas a condição dessa possibilidade parece improvável: é preciso que a política deixe de ser comandada pela estupidez.

é irrelevante se a grécia, portugal e a irlanda são parecidos ou diferentes. os governos têm a obrigação de perceber que os destinos destes países foram irremediavelmente ligados pelos ‘mercados’ e suas agências de notas.

é por isso que não existem soluções nacionais para a crise das dívidas soberanas. esta semana, o parlamento aprovou o programa de governo, o país foi informado de um imposto extra-troika que assalta sem piedade metade dos subsídios de natal e o conselho de ministros pôs cobro às golden share na pt, na edp e na galp. cinco estrelas em bom comportamento. e como pagou a moody´s a passos coelho? com «um murro no estômago»…

podemos continuar com a ladainha do «nós não somos como os gregos»… e os espanhóis na versão mais comprida. mas só não vê quem não quer. o incumprimento é o horizonte grego de curto prazo. depois, é contar os dias. os governos dos países atirados para o lixo estão condenados a entenderem-se e a fazerem-se entender. as agências de rating não podem continuar a dar notas às dívidas soberanas. esta é uma decisão europeia decisiva para os países sob resgate.

outra é a reestruturação, em comum e pela união, das dívidas soberanas em excesso. de outro modo, preparem-se para o abismo. ele nunca esteve tão próximo.