Ao cair do pano

Há 20 ANOS, o sector mais conservador do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) tentou um golpe de Estado contra o seu secretário-geral e presidente do país, Mikhail Gorbatchov.

a operação, dirigida pelo ministro da defesa e por altos responsáveis da polícia política (kgb), teve contornos de farsa. foi tão mal preparada que gorbatchov foi informado da sua preparação pelo presidente dos eua e, não acreditando na aventura, estava inclusive de férias. a 19 de agosto, os golpistas anunciaram que gorbatchov fora afastado por ‘motivos de saúde’, mas não houve repressão nem detenções e o ‘plano’, se existia, dispensara a tomada militar de posições estratégicas… menos de 24 horas depois, era óbvio que a operação se saldara num estrondoso fracasso.

o vencedor do conflito estava na rua com os moscovitas que se mobilizaram em defesa das liberdades recentemente adquiridas com a ‘perestroika’. era tão bêbado quanto ambicioso. era boris ieltsin. que, a 22 de agosto, ilegaliza o pcus e extingue a união soviética em dezembro desse ano.

no seu amadorismo e desespero, os golpistas aceleraram uma história que já só podia acabar mal. eles são bem a caricatura de um fim de regime que levou consigo o homem e as forças que tinham, in extremis, procurado renovar o socialismo. não houve finais felizes.

paradoxalmente, em portugal, as consequências destes acontecimentos longínquos foram marcantes. o apoio da direcção do pcp aos golpistas desencadeou uma cadeia de acontecimentos que aceleraram os movimentos de recomposição na esquerda portuguesa. com efeito, foi esse apoio que levou à convocação, pela primeira vez na história daquele partido, de uma assembleia pública de comunistas à revelia das instâncias partidárias. nunca se tinha visto tal afronta ao ‘centralismo democrático’. os ‘críticos’ tinham produzido documentos e criado uma associação que envolvia não comunistas. mas nunca tinham arriscado uma infracção frontal aos estatutos do pcp. em pleno mês de férias, mobilizaram cerca de 200 militantes. porque se realizavam eleições um mês depois, álvaro cunhal deixou para depois do voto os inevitáveis procedimentos disciplinares, que chegaram em outubro, com a expulsão dos membros da mesa da reunião. foi a dualidade de critérios patente na decisão – uns expulsos, os restantes inocentados – que me levou a sair do partido onde militara durante 18 anos. tinha estado na decisão, tinha estado na assembleia e só não fora expulso porque ficara na plateia…

acusto, o pcp sobreviveu à sua crise. quanto aos críticos, seguiram caminhos diversos. uns acabaram por ficar no pcp. outros, os mais conhecidos, aderiram ao ps. e outros ainda, em regra mais jovens e inquietos… fizeram a travessia que os levaria, anos mais tarde, ao bloco de esquerda.