Mau tempo no Verão

A crise da Zona Euro parece cumprir uma trajectória de agravamento e acumulação de tensões sem fim à vista.

tal como as nuvens que, em lugar de se dispersarem, frequentemente se concentram até rebentarem em tempestades violentas, também a crise da zona euro parece cumprir uma trajectória de agravamento e acumulação de tensões sem fim à vista.

o verão trouxe algumas novidades: a qualidade da dívida dos estados unidos também acabou por ser revista em baixa; os piores cenários europeus materializaram-se com o insucesso da primeira fase do ‘apoio’ à grécia e a contaminação das grandes economias italiana e espanhola; a nível mundial, o crescimento abranda definitivamente nos estados unidos e numa europa em que o motor alemão também vai parando…

onde estão as instituições europeias no meio desta crise? esta foi a questão que levou o grupo, em que me incluo, dos deputados socialistas da comissão de assuntos económicos e monetários do parlamento europeu a pedir, logo no início do mês de agosto, uma reunião extraordinária com os principais responsáveis da zona euro. por dificuldades em conciliar agendas, a reunião só teve lugar a 29 de agosto, tendo participado o (ainda) governador do banco central europeu jean-claude trichet, o presidente do eurogrupo jean-claude juncker e o comissário olli rehn.

desta reunião, a imprensa portuguesa destacou, naturalmente, os elogios aos esforços de portugal (e irlanda) proferidos pelo presidente do eurogrupo, geralmente simpático em relação ao nosso país. mas, na realidade, quem assistiu atentamente às várias fases da reunião (as abertas à imprensa e as reservadas a deputados) só pode, lamentavelmente, ter visto aumentar a sua apreensão sobre o rumo europeu.

é que o contágio à itália e espanha foi acompanhado de elementos de degradação do funcionamento da zona euro menos visíveis, mas não menos preocupantes. destaco três:

(i) depois de todas as notícias que evidenciaram as suas reticências no caso do resgate português, a finlândia, acompanhada por mais alguns países, exigiu garantias colaterais (de carácter bilateral) em contrapartida da sua quota de envolvimento na ‘segunda fase’ do apoio à grécia, prática esta que, na inexistência de qualquer bloqueio institucional, tende a reproduzir-se;

(ii) aquela e outras importantes deliberações tão penosamente negociadas e finalmente concluídas na cimeira de chefes de estado e governo da zona euro de 21 de julho continuam por concretizar, decorrido mais de um mês e apesar do carácter de emergência com que foram consensualizadas, nomeadamente devido a dificuldades no processo interno de ratificação de diversos países membros;

(iii) vai-se percebendo quanto o estado de emergência nas diversas intervenções institucionais serve para justificar práticas ‘não previstas’ e, consequentemente, menos transparentes e democraticamente controladas, mesmo por parte de entidades consideradas como mais ‘ortodoxas’, como o banco central europeu (bce).

de facto, se o bce tem felizmente optado por uma interpretação lata do seu mandato ao comprar sucessivamente dívida soberana, passou, em contrapartida, a emitir recomendações de política económica aos países visados (como foi o caso da itália), as quais são por muitos consideradas como mais uma ultrapassagem das suas competências específicas e como tendo repercussões em matéria de legitimidade institucional.

e a pergunta coloca-se: até quando poderemos continuar a ‘navegar à vista’, com intervenções parciais tomadas no limiar do precipício, e com resultados que duram o espaço de duas semanas, enquanto, debaixo dos nossos pés, vai engrossando a vaga de fundo que ameaça o euro?

o único lado ‘positivo’ desta imparável degradação é a progressiva confirmação de que o problema não é ‘a grécia’, ‘a irlanda’, ‘portugal’, ‘a espanha’, ‘a itália’… porque o verdadeiro problema reside no carácter incompleto da arquitectura em que assentou a construção da moeda única, designadamente ao não incluir instrumentos mínimos de combate a uma crise. sob este ângulo, impõe-se naturalmente a agenda que inclui eurobonds, reforço do orçamento europeu (nomeadamente através do imposto sobre as transacções financeiras) e instrumentos para a convergência interna, o crescimento e o emprego; tal agenda, mais do que como uma opção, apresenta-se hoje como indispensável à sobrevivência do projecto europeu.

reconheça-se que esta ‘visão’ se vai impondo à medida que a situação se vai agravando. mas tal ocorre de modo tão lento que a questão fica em saber se, quando a vontade política finalmente se tiver cristalizado sob a pressão de um desastre iminente, não será já demasiado tarde para que os remédios actuem!