Reconhecimento

O que Israel e os EUA mais temem no reconhecimento da Palestina é a cadeia de contradições que ele abre.

“portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão”

art. 7.º da constituição

escrevo esta crónica na semana em que a autoridade palestiniana solicitará formalmente à onu o seu reconhecimento como estado de pleno direito. não sei se o fará em sede de assembleia geral, onde obterá seguramente mais de 2/3 dos votos, ou no conselho de segurança, onde os eua usarão o veto para bloquear a iniciativa. na primeira variante, os palestinianos obterão uma vitória diplomática, mas não o objectivo que se propõem – a aprovação da assembleia geral abre as portas à participação nos vários organismos da onu, mas só tem poder consultivo. pelo contrário, o conselho de segurança tem o atributo, mas basta o veto norte-americano para frustrar a vontade palestiniana.

a pressão sobre mahmmud abbas, presidente da autoridade palestiniana, tem sido intensa. com a subtileza que caracteriza a sua diplomacia, os norte-americanos ameaçaram pôr termo ao financiamento do orçamento palestiniano (500 milhões de dólares/ano). a chantagem nem sempre resulta, mas revela as dificuldades de washington. com efeito, obama prometeu há exactamente um ano que em setembro de 2011 a palestina teria o seu estado reconhecido. vetar agora a sua própria promessa é algo que a parte mais fraca do conflito não esquecerá tão cedo. o uso do veto debilita definitivamente a posição de liderança que os eua têm no quarteto responsável pelas negociações de paz. em bom rigor, liquida-as.

na verdade, o que israel e os eua mais temem no reconhecimento é a cadeia de contradições que ele abre. a partir daí, acções militares e actos de colonização nos territórios ocupados passariam a ser consideradas como agressões estrangeiras. é que a palestina candidata-se com base nas fronteiras de 1967, as reconhecidas pelas nações unidas, beneficiando, aliás, do facto de israel ser membro, mas, caso único, nunca ter entregue o mapa com as suas fronteiras…

os eua pressionam ainda a união europeia e os aliados que têm no mundo árabe. deste lado, não obterão grandes resultados. mas já na europa têm expectativas. com efeito, a senhora ashton encontra-se numa posição impossível. a ue está dividida, com a particularidade de os governos do leste europeu, os mais atlantistas, terem tomado posição favorável ao reconhecimento. quanto a portugal, tem-se pronunciado por «uma posição europeia», forma delicada de dizer nada, ou seja, «tudo pela palestina e nada contra israel». sugestão: e que tal se nos guiássemos pelo que está escrito na constituição da república e que nenhuma revisão alterou? que tal um governo comprometido com a lei?