José Rodrigues dos Santos: Perguntar é, de certo modo, opinar

Não se imagina fora da televisão, não vota para não perder a independência profissional e diz que a actividade como romancista compensa o trabalho jornalístico, que tende a ser superficial.

continua sem votar? porquê?

sim. enquanto cidadão não gosto de me envolver naquilo que tenho de noticiar enquanto jornalista. além do mais, sou uma pessoa emocional e receio que a minha decisão de voto influenciasse negativamente a minha imparcialidade profissional.

se votasse sentir-se-ia menos independente ao entrevistar um político?

sem dúvida. já reparou que, quando vemos um debate em que apoiamos um lado, estamos sempre a torcer para que esse lado ganhe e a desvalorizar tudo o que o outro diz? não quero que essa parcialidade contamine o meu trabalho de jornalista.

mesmo não votando, suponho que tenha opinião sobre os assuntos…

claro que tenho opinião. e não me coíbo de a manifestar, justamente porque me sinto numa posição de equidistância e de imparcialidade.

então que opinião tem, por exemplo, sobre pedro passos coelho?

durante as entrevistas manifesto a minha opinião sobre os assuntos, não sobre as pessoas. como compreenderá, não emito opinião sobre quem noticio.

recentemente fez uma série de entrevistas a vários escritores. algum deles o desiludiu enquanto entrevistado?

talvez o amin maalouf. é eventualmente o escritor contemporâneo que mais aprecio. tem livros magníficos, mas isso não impediu que o questionasse de forma mais incisiva sobre determinados aspectos questionáveis do islão. e pareceu-me que ele ficou ressentido com isso, o que me surpreendeu. para se ser escritor é preciso ser-se livre e aceitar a liberdade que os outros têm de nos pôr em causa. não me pareceu que tivesse aceitado bem algumas das minhas questões. num político seria normal, mas num escritor?

e houve algum que tenha excedido as suas expectativas?

o philip roth e o umberto eco. fui avisado de que eram antipáticos e difíceis, mas não foi isso que encontrei. foram simpatiquíssimos e deram entrevistas muito interessantes.

sente que a sua postura muda quando entrevista um político e um não político?

sim, acho que sim. a entrevista com um político é por natureza de confronto. sabemos que o político está a tentar usar a entrevista para fazer tempo de antena e não podemos permitir que isso aconteça. uma entrevista a um não político é diferente, sobretudo quando o entrevistado não tem qualquer experiência de entrevista. as pessoas podem até estar num estado emocional frágil, e cabe-nos a nós, os entrevistadores, avaliar isso e ajudá-las a exprimir os seus pensamentos.

numa entrevista a um não político o espartilho da independência do jornalista é menos apertado?

é de facto menos apertado, embora haja distâncias e cuidados que temos sempre de manter. mas, como disse, nunca deixo de exprimir opinião. perguntar é, de certo modo, opinar.

até que ponto o entrevistador deve ser agressivo?

a agressividade está no conteúdo das perguntas, não na forma como as fazemos. acredito que um entrevistador deve ser sempre educado, mas não deve deixar nenhuma pergunta legítima por fazer. e, já agora, deve dar uma oportunidade justa ao entrevistado, político ou não, para responder. não gosto das interrupções constantes, são incomodativas. o entrevistado deve ser interrompido quando foge à pergunta ou fala longamente, mas se for conciso e responder directamente à pergunta, não deve ser interrompido.

das entrevistas que fez houve alguma que o tenha marcado especialmente?

marcado talvez não seja a palavra mais adequada. se houve alguma figura em especial de quem gostei? sim, claro. não na política, aí já não me iludo. mas, nas conversas de escritores, por exemplo, além do philip roth e do umberto eco também gostei muito das entrevistas com jeffrey archer, o dan brown e a isabel allende. foram conversas interessantíssimas. aprendi muito enquanto ser humano.

sempre quis ser jornalista?

não. quando era pequeno e me perguntavam o que queria ser, respondia que queria ser rico. o jornalismo só surgiu mais tarde, depois de um teste psicotécnico me sugerir essa via profissional.

ainda se lembra do seu primeiro trabalho?

foi uma notícia que escrevi para uma agência em macau. na altura estavam a aparecer os refugiados que fugiam do vietname. chegavam em barcos em condições lastimosas. a minha notícia foi sobre um refugiado vietnamita que certo dia se apresentou de táxi diante da polícia portuguesa. o título era: ‘veio de táxi’.

a televisão foi sempre um objectivo?

não. comecei na rádio e não pensei em televisão. mas depois, quando estava a trabalhar em londres para a bbc, surgiu a oportunidade de fazer peças para a televisão e agarrei-a.

hoje preferiria sempre a televisão à rádio ou à imprensa?

sim. sou um homem de televisão e não me imagino a fazer outra coisa.

sente que a sua escrita de ficção é contaminada pelo jornalismo?

com toda a certeza. sabe uma coisa que me faz confusão? os romances escritos numa linguagem imperceptível. nós, os jornalistas, escrevemos para ser entendidos e procuramos ser sempre interessantes. são duas características que tento imprimir aos meus romances. as palavras não são, para mim, um fim em si mesmas, mas um meio para transmitir ideias. evito o barroco escrito, em que o autor se multiplica em exercícios da linguagem. a minha escrita é transparente – e nisso se vê o jornalista que há em mim.

e há contaminação no sentido inverso?

com certeza, não na forma de escrita mas no conteúdo. os meus romances têm muita investigação. essa investigação é feita em profundidade e permite-me adquirir conhecimentos que me são úteis enquanto jornalista. a actividade jornalística tende a ser superficial, sabemos um pouco de tudo e nada em profundidade. essa superficialidade jornalística é compensada pela profundidade dos conhecimentos que adquiro enquanto romancista.

jose.fialho@sol.pt