Soberania limitada

Na Grécia e na Itália chegou o tempo dos tecnocratas à cabeça dos governos. A eles compete a gestão do estado supremo das políticas de resgate, aquele em que os mercados assumem directamente o poder sobre as nações.

nem luca papademos, nem mario monti foram a votos. eles são simplesmente homens da banca alcandorados aos governos de países em crise.

ambos vão governar passando por cima da convocação de eleições antecipadas. com menos alarido e recebendo os elogios que são devidos aos salvadores de situações de calamidade, papademos e monti tornam realidade o sonho que manuela ferreira leite confessou num dia de inusitada franqueza – o da suspensão da democracia por seis meses para resolver as dificuldades económicas do país.

se na grécia as eleições foram apenas adiadas, já em itália mario monti alimenta a expectativa de concluir uma legislatura que vai até 2013. de ‘salvação nacional’, o seu governo mistura ‘técnicos’ do berlusconismo e ‘técnicos’ do centro-esquerda. o mix tem sido vivamente apoiado no exterior. na verdade, é um governo que coloca o parlamento italiano ante um diktat muito simples – ou nós ou a escalada da especulação sobre a dívida ante um cenário de eleições antecipadas. a coisa parece funcionar… mesmo que a dita especulação tenha alegremente prosseguido depois da indigitação.

puxo pela memória e recorro à história: nos anos 60, leonid brejnev, secretario-geral do então todo poderoso partido comunista da união soviética, proclamou a sua doutrina da ‘soberania limitada’. ela partia do princípio de que, se uma nação aliada ameaçasse trocar o socialismo pelo o capitalismo, isso constituiria um problema para toda a comunidade socialista. assim se justificou a intervenção do pacto de varsóvia na checoslováquia em 1968, para derrubar dubcek, um comunista que procurava renovar e refundar o socialis- mo, conciliando-o com a democracia. há quase 50 anos, brejnev pôde impor a soberania limitada de uma forma grosseira, recorrendo a tropas e tanques.

os tempos e os modos mudaram, os lugares também, mas não a doutrina. o que hoje se está a passar na zona euro cheira demais a soberania limitada. os cínicos acham bem – quem empresta manda e ponto. em nome desta inversão de legitimidade, a dupla de merkel e sarkozy já demitiu um governo que tinha acabado de vencer uma moção de confiança na noite anterior. não contente, indicou o primeiro-ministro que lhe sucederia. em itália, despachou berlusconi e indigitou mario monti para concluir o programa de ajuste… apresentado por berlusconi.

decididamente, o que antes se fazia com canhões resolve-se agora com spreads. mas esta história vai acabar mal. mesmo muito mal.