Greve geral

A estrada que vai ‘reescrever o futuro dos nossos filhos’ é a do ‘empobrecimento’.

as aspas referem-se, ambas, a frases do primeiro-ministro português e entre elas não existe qualquer ‘desvio colossal’, apesar de proferidas com dias de diferença. passos coelho também aproveitou a sua recente visita a angola para explicar ao povo que o aumento de meia hora de trabalho por dia no sector privado equivalia à perda de dois salários na administração pública, razão pela qual qualquer outra redução salarial para lá da ‘moderação’ que aconselha, lhe parecia, vá lá, algo excessiva.

grossa trapalhada! o governante devia ter ouvido o presidente da cip explicar no último prós & contras da rtp1 que o sector privado se encontra em ‘ajustamento salarial’ desde 2008. as duas horas e meia semanais de trabalhos forçados, ou seja, gratuitos, que o governo quer impor nada têm a ver com qualquer suposta ‘equidade’. elas são, simplesmente, a compensação oferecida aos patrões para se não mexer na taxa social única.

em boa hora chegou o prós & contras desta segunda-feira, colocando os líderes da cgtp e da ugt de um lado e os dois homens fortes da cip e do fórum para a competitividade, do outro. em bom português, os representantes do capital levaram uma ‘valente sova social’, devido à posição impossível em que ambos se colocaram: por um lado, criticando o governo pela ausência de medidas para relançar a economia e, por outro lado, sustentando que o combate ao défice é a mãe de todas as urgências.

algumas das intervenções mais interessantes vieram dos convidados sentados na plateia. um constitucionalista social-democrata explicou que iria fazer greve, quando só raramente a faz, porque os cortes na função pública, além de humilhantes e errados, são, na sua óptica, inconstitucionais. o líder de uma associação de pequenas e médias empresas explicou como enfrenta a crise na sua própria empresa: cortou nos ganhos dos sócios gerentes, endureceu a negociação com os fornecedores… e, pasme-se, quer aumentar ‘na medida do possível’ os salários do seu pessoal. em tempos negros, prefere que eles encarem o futuro com confiança. e, para que não restem dúvidas, se estiverem na greve geral, que lhes faça bom proveito, que são muitas as razões de indignação. marcante ainda o comentário de uma trabalhadora de lavandaria industrial, relatando como o seu salário encolheu 5 por cento com o fim do subsídio de almoço.

no momento em que escrevo esta crónica a greve ainda não começou. se tivesse que decidir com base no contraditório da fátima campos ferreira, não teria dúvidas. mas também é verdade que uma pessoa com o ponto de vista contrário teria ali encontrado argumentos que confortariam a sua opinião. sabem? serviço público de televisão é isto mesmo.