Pequenos dramas

Conhecem aquele homem que chegou duas horas atrasado ao jantar em sua casa, onde iria conhecer os pais do namorado da filha?

eu não, mas consigo imaginar a situação e admito, em consequência, o incómodo que ela tenha provocado no próprio e em todos os convivas.

e conhecem outro homem, que se encontrava de férias familiares na índia, planeadas há meses, e que teve de regressar com urgência a sua casa, situada num outro continente? eu não, mas compreendo inteiramente como a interrupção inopinada do seu descanso o possa ter irritado.

ah, e o caso daquele pai extremoso que perdeu o jogo do seu filho, praticante de um obscuro desporto que dá pelo nome de lacrosse, porque ficou retido, no fim-de-semana, em trabalhos de enorme responsabilidade? eu não, mas confesso ser sempre sensível ao dia de descanso que deus nos deu em nome do seu próprio, no fim da semana da criação.

podia ficar por aqui, mas fui também sensibilizado pela história de um outro homem que cancelou o seu passeio dominical de bicicleta no parque da cidade, na companhia da esposa, por ter recebido um daqueles intermináveis telefonemas que nos estragam o dia e apagam o sol. não se faz.

e ainda o caso de uma mulher que passou a noite em claro, preparando a conferência de imprensa da sua vida, imaginando cada pergunta e sua resposta, até que entrou no seu automóvel e percebeu que poderia estar em jogo a compra da casa dos seus sonhos, se o dia acabasse mal. eu não a conheço, mas intuo na situação a ansiedade dos grandes momentos.

finalmente, ocorre-me ainda o episódio ocorrido com o presidente da reserva federal norte-americana que, tendo chegado ao aeroporto, constatou a falta do seu motorista. exasperado com a ocorrência, desatou a telefonar para saber dos motivos para tal falha. foi contrariado que aceitou a sugestão do seu assistente para se juntar à fila de espera dos táxis, ainda por cima sem dinheiro no bolso. não conheço este senhor, mas como é possível não nos solidarizarmos com o seu infortúnio?

todos estes ‘casos’ ocorreram há quatro anos. são pormenores relatados por andrew sorkin, autor de um dos grandes livros sobre a crise em que o planeta mergulhou em 2007 e 2008 e de que ainda não saiu. infelizmente, too big to fail não está traduzido em português. ele fala de pessoas com famílias e chatices privadas, por ociosas que lhe possam parecer. mas esse não é o cerne da questão. o que conta é que esta gente, aparentemente como nós, continua por aí. seguramente mais preocupada com os seus problemas domésticos e negócios privados do que com o buraco para que nos atiraram.