A memória em formato mochila

Um aluno de design que é escuteiro. Um italiano que se apaixonou por Portugal. Duas professoras e 27 aldeias de xisto. Inspirados por um lugar especial, uma mão cheia de habitantes e muitas ovelhas depois, chegaram a um produto que reflecte e respeita a memória da aldeia da Figueira, na Beira Baixa – uma mochila…

O desafio de criar algo baseado nesta região do país tinha sido lançado a nove universidades e escolas portuguesas pela Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias de Xisto (ADXTUR). O IADE – Creative University respondeu ao apelo, e uma equipa composta por duas docentes – Ana Margarida Ferreira e Catarina Lisboa – e dois alunos finalistas de Design – João Neves Correia, e Giuseppe Sardone – desenvolveu o conceito.

Ana Margarida Ferreira diz que a grande dificuldade neste tipo de abordagem é criar algo novo, que “mostre o futuro mas sem deixar de respeitar a memória do que está para trás”. Mas o que é que esta mochila tem de especial?

Quem responde é João Neves Correia, um dos alunos. “Foi feita com produtos unicamente oriundos e característicos da aldeia da Figueira e foi produzida após um estudo no local e muitas conversas com as pessoas que a habitam”.

Até chegar ao resultado final, a equipa do IADE deslocou-se meia dúzia de vezes à Figueira e identificou os símbolos da zona, falando com sapateiros, costureiras, agentes turísticos e pastores. Em termos práticos, este é um projecto múltiplo pois a mochila tem quatro funções: mochila de passeio, banco de piquenique, saco e toalha de piquenique.

A ideia é, além de apelar a um contacto mais próximo com a natureza, tentar activar o empreendedorismo social, visto que a pobreza é uma das características da zona. “Um dos nossos desejos é que no futuro a mochila ‘Figueira Memory’ possa ser produzida por uma teia social da região e utilizada na promoção do turismo”.

Ana Margarida Ferreira considera que é um desafio criar um produto de raiz que reflicta a essência do sítio que pretende representar. “O ponto de equilíbrio entre a tradição e a inovação é sempre difícil de alcançar. Neste caso, pensámos num artigo que fosse quase uma representação do design para o artesanato e que reflectisse a partilha. Por exemplo, podem acrescentar-se pedaços de toalha através de molas, o que traduz o sentido de comunidade que aqui se experiencia”.

Há cerca de um mês, a mochila esteve exposta na feira EUNIQUE 2015, considerada dos maiores certames de craft design do mundo, na Alemanha. Desde que o produto foi apresentado, várias pessoas se mostraram interessadas na sua vertente comercial, afirma a professora. “A reacção da sociedade tem sido muito positiva. Este produto tem qualquer coisa que gera empatia. Além disso, a sustentabilidade do conceito é importante. As pessoas começam a ter noção que precisamos de construir um novo futuro dentro do desenvolvimento sustentável – e se esse processo respeitar o que somos, perfeito”.

Por isso, apesar de faltarem jovens na aldeia da Figueira, diz ter identificadas, nela e nas redondezas, todas as pessoas que poderão vir a dar continuidade ao projecto. “Portanto, depende do plano de negócios e da escala, não fechamos nenhum cenário até porque as coisas estão a evoluir para um estádio em que, provavelmente, fará sentido criar uma start-up”.

Seguindo a mesma linha metodológica que liga a tradição e o design sem impor modelos progressistas, um grupo de alunos do IADE está actualmente a trabalhar noutro projecto, desta vez em parceria com a Cooperativa de Tecelagem de Mértola.

mariana.madrinha@sol.pt