Teixeira dos Santos: crónica de um homem só

Há quem diga que é melhor ser ex-ministro do que ministro. No caso de titulares da pasta das Finanças, é quase um dado adquirido. O acesso a contactos privilegiados e o prestígio institucional do cargo costumam proporcionar um salto quase imediato para grupos privados ou posições cimeiras na hierarquia do Estado. Há uma excepção a…

Teixeira dos Santos: crónica de um homem só

A travessia do deserto a que está votado desde 2011 contrasta com a dos ministros de referência das últimas três décadas. Depois de sair do Governo, regressou à Faculdade de Economia da Universidade do Porto e começou a fazer comentários no Económico TV, mas nada que se aproxime dos lugares que outros ex-ministros conseguiram.

Há três anos, foi dado como candidato a um lugar de administrador na PT, mas não gerou consenso no PSD e a nomeação foi vetada. Agora, foi sondado para ir para o Montepio, mas não lhe agradou a ideia de ser sufragado pelos votos de uma assembleia-geral e retirou-se do processo.

Choque com Sócrates

As perspectivas que se colocam são estreitas. Não tem o apoio do CDS e do PSD e em cargos que dependam de acordos partidários também não terá o voto favorável do PS. “Está a pagar um preço demasiado caro por ter cometido o erro de se ter deixado levar para o segundo Governo de Sócrates”, diz ao SOL um amigo, que assinala a clivagem que ainda persiste entre Teixeira dos Santos e a ala do PS mais próxima do ex-primeiro-ministro.

A batalha com Sócrates nos meses antes do pedido de ajuda externa deixou mossa. Quando Teixeira dos Santos assumiu a 6 de Abril de 2011, numa declaração ao Jornal de Negócios, que seria necessário “recorrer aos mecanismos de financiamento disponíveis no quadro europeu”, não foram apenas as relações com José Sócrates que esfriaram.

Como contam os jornalistas David Dinis e Hugo Filipe Coelho no livro Resgatados, o Conselho de Ministros onde Sócrates assumiu o pedido de intervenção externa marcou um divórcio insanável com muitos camaradas socialistas. “Um depois do outro, os ministros falaram e deram a sua solidariedade ao chefe do Governo, que sabiam ter lutado com todas as forças para evitar aquele momento. A tensão na sala era notória. Ninguém olhava para Teixeira dos Santos, mas cada palavra era dita como se todas fossem uma só: traição”.

Quem conhece organizações colectivas com algum grau de fanatismo sabe que há uma categoria pior do que a dos inimigos: os traidores. Paga-se caro. Nos últimos quatro anos, as relações de Teixeira dos Santos com o PS oscilaram entre o frio e o gélido. Nunca o ex-ministro apareceu associado a qualquer iniciativa do partido.

Na história recente dos socialistas, há apenas um caso de um divórcio tão marcante entre um ex-titular das Finanças e o partido. Sousa Franco, que foi ministro das Finanças no primeiro Governo de Guterres, como independente, foi também protagonista de uma separação pouco amigável. Ficou célebre o 'episódio Gambrinus'. Neste restaurante, a jornalista Inês Serra Lopes ouviu-o desabafar alto e bom som que o segundo Executivo do engenheiro era “o pior governo desde Dona Maria”.

Tornou-se evidente o azedume pós-eleitoral entre as hostes socialistas e o ministro,  mas a história acabou em conciliação. Ferro Rodrigues convidou-o para o topo da lista de eurodeputados e Sousa Franco partiu em paz com o partido. Seria o primeiro cargo de cariz partidário que iria ocupar depois da saída do Governo.

Reservas do PSD

O jejum de Sousa Franco foi superior a quatro anos, o mesmo que Teixeira dos Santos já leva sem um cargo de topo. Mas o economista do Porto tem um problema adicional: embora seja amigo de Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, também não gera consenso no PSD – como se viu na nomeação falhada para a PT em 2012. “Teixeira dos Santos saiu quase como um herói por ter enfrentado Sócrates, mas para muita gente na política está chamuscado por ter sido conivente com o último período da governação”, lembra outra fonte que se cruzou com o ex-ministro.

Teixeira dos Santos assumiu numa entrevista recente que o dia do pedido de ajuda externa foi “de fricção e angústia”, mas que saiu “com a consciência de que tínhamos chegado a um momento difícil em que tinha feito o que país precisava que fosse feito”.

No círculo íntimo do economista nortenho, o sentimento de injustiça é patente. Há algo de que ninguém duvida: Teixeira dos Santos é amigo do seu amigo, acarinha quem lhe está próximo e a sua honestidade é à prova de bala.

O desfecho do Montepio traz incerteza sobre o seu futuro profissional. Teixeira dos Santos não esconde ter uma vida frugal e provavelmente dará pouca importância a ter um cargo só pelo cargo. A cruz do FMI não lhe tira os fins-de-semana a fazer jardinagem ou a ler na casa Vila Nova de Cerveira, no meio do convívio com a família e os amigos de longa data – o maior luxo que (não) ostenta.

Para onde saíram os ministros das Finanças

Miguel Cadilhe

Quando o ministro das Finanças de Cavaco terminou funções regressou ao BPA, o banco onde iniciou a carreira. Mas já não foi para o posto de origem: assumiu a presidência de várias empresas do grupo bancário. Continuou depois a ocupar posições cimeiras no sector financeiro, como no Banco de Fomento Exterior.

Eduardo Catroga

Já tinha pertencido a múltiplos órgãos de administração de empresas antes de entrar no último Governo de Cavaco Silva. Quando saiu, continuou o percurso como gestor. Passou quase de imediato a vice-presidente do grupo Sapec, onde chegou depois a presidente. Passou por múltiplas empresas desde então.

António Sousa Franco

O ministro independente do primeiro Governo de Guterres teve uma saída pouco amigável. Criticou o Executivo que lhe sucedeu, mas fez as pazes com o partido. Foi convidado para cabeça-de-lista nas eleições europeias e iria liderar a delegação socialista no Parlamento Europeu. Faleceu nessa campanha eleitoral.

Joaquim Pina Moura

Assumiu a pasta das Finanças no início do segundo Governo de Guterres, acumulando a Economia. Quando terminou funções, foi escolhido para presidente da Iberdrola, uma empresa espanhola de energia. A nomeação foi bastante polémica porque Pina Moura tinha a tutela do sector.

Guilherme D'Oliveira Martins

Ocupou o ministério do Terreiro do Paço no final do Governo de Guterres. Três anos depois de terminar funções, foi nomeado por Sócrates para outro alto cargo na hierarquia do Estado: a presidência do Tribunal de Contas, que ocupa há dez anos. Foi reconduzido em 2013 por proposta do Governo PSD-CDS.

Manuela Ferreira Leite

A 'dama de ferro' do Governo de Durão Barroso saiu  quando o ex-primeiro-ministro rumou a Bruxelas. A antiga ministra das Finanças foi nomeada para o Conselho de Estado, tornou-se professora catedrática convidada do ISEG e chegou mais tarde a líder do PSD. Foi a primeira mulher a ocupar o cargo.

Vítor Gaspar

O economista bateu com a porta das Finanças no Verão de 2013, devido a divergências com o CDS quanto a medidas de austeridade. Tornou-se consultor do Banco de Portugal e no ano passado foi nomeado para um dos mais altos cargos do FMI: director do Departamento de Assuntos Orçamentais.

joao.madeira@sol.pt