Plutão. ‘Tão bom como uma loja de brinquedos’

Nove anos e meio e mais de cinco mil milhões de quilómetros depois, Plutão recebeu a primeira visita de um dispositivo construído por mão humana. A sonda New Horizons fez a sua aproximação maior ao planeta anão na terça-feira, 14, mas já antes do encontro enviava imagens para a Terra com uma nitidez fora do…

Plutão. ‘Tão bom como uma loja de brinquedos’

O ex-planeta do sistema solar, situado nos seus confins e um dos corpos celestes mais distantes do Sol, começou logo a revelar surpresas. Àquela distância da nossa estrela, será um lugar gelado, inóspito e escuro, mas mostrou-se à altura para condimentar a nossa perplexidade: uma mancha, mais ou menos contínua, no Equador do planeta anão é dos primeiros mistérios a desvendar pela comunidade de astrofísicos e especialistas da NASA, a responsável por toda a missão.

Mas havia mais novidades desconcertantes para desvendar, e ainda não acabaram. A NASA continua a actualizar novas informações à medida que chegam as imagens enviadas pela sonda. O primeiro close up da superfície revela, por exemplo, uma cordilheira recente, gelada, um indício da presença de água. Alan Stern, o coordenador da missão, reconhecia, num dos comunicados, que Plutão não é o rochedo amorfo que prometia: “Nenhum de nós poderia imaginar que é tão bom como uma loja de brinquedos”.

A actividade do planeta anão é muito maior do que os cientistas supunham. Além disso, a falta de crateras – resultado de impactos de objectos celestes, como noutros planetas do nosso sistema – é também surpreendente. A superfície, presume a equipa, será coberta de grandes quantidades de nitrogénio, gelo e metano.

A missão segue também Charon, a maior das luas de Plutão, que não lhe fica atrás nas revelações geológicas – vários quilómetros de montanhas e vales, numa paisagem inusitadamente acidentada. Mas há mais: os especialistas da missão apontam para a hipótese de tanta actividade geológica ter origem em calor radioactivo, ou num oceano interior ou então na energia armazenada durante a formação deste corpo celeste.

Por ironia, a sonda foi lançada a 19 de Janeiro de 2006. Em Agosto desse mesmo ano, depois de muito tempo de discussão acalorada, a União Astronómica Internacional (UAI) deliberava que Plutão tinha sido ‘despromovido’. As suas dimensões não chegavam para que pudesse ser considerado um planeta. Houve quem pensasse que tivesse desaparecido…

A New Horizons partiu, então, ao encontro de um planeta e, ainda a jornada ia no início, já ia ter com um planeta anão.

Na verdade, a comunidade de astrofísicos debatia esse ‘estatuto’ há muito tempo. As dimensões de Plutão não o faziam supor quando foi observado pela primeira vez, nos anos 30.

Deus invisível

O astrónomo norte-americano Clyde Tombaugh foi o autor da proeza. Era investigador no Observatório Lowell, no Arizona, quando lhe confiaram a missão de ir à procura de um certo ‘Planeta X’, situado para lá de Neptuno e cuja existência tinha sido prevista por dois astrónomos responsáveis pela fundação daquele observatório, Lowell e Pickering.

A sugestão do nome para o ‘Planeta X’ veio de uma criança de 11 anos, uma britânica chamada Venetia Burney, neta de uma famoso bibliotecário da Universidade de Oxford. O avô leu-lhe a notícia da descoberta, e a pequena sugeriu Plutão, o deus do submundo para os romanos (entre os gregos era conhecido como Hades), capaz de se tornar invisível, como o corpo celeste então descoberto.

Venetia morreu em 2009, talvez desiludida com a decisão da UAI em despromover o ‘seu’ planeta. Seja como for, as cinzas de Tombaugh seguem a bordo da New Horizons e o nome do astrónomo já faz parte da toponímia de Plutão, numa das tais regiões surpreendentemente acidentadas agora descobertas.

O feito mede-se ainda ao nível político: com a New Horizons, os norte-americanos são os primeiros autores de missões a cada um dos planetas – ou, neste caso, ex-planeta – do nosso sistema. A sonda segue, entretanto, o seu caminho, rumo à Cintura de Kuyper, a fronteira do nosso sistema.

Cronologia:

18 de Fevereiro de 1930
O norte-americano Clyde Tombaugh anuncia a descoberta, com base em imagens obtidas um mês antes. Pelas suas características, não se supunha que o então ‘Planeta X’ pudesse ser considerado um asteróide

1 de Maio de 1930
O nome Plutão é escolhido para o planeta, por sugestão de uma criança britânica, Venetia Burney, então com 11 anos

1990
Na última década do século XX, com a descoberta de outros objectos na Cintura de Kuyper com dimensões reduzidas, semelhantes às de Plutão, a comunidade científica começa a debater sobre o ‘estatuto’ deste objecto celeste. Após a descoberta de um com dimensões maiores que a de Plutão, o debate tornou-se mais aceso    

19 de Janeiro de 2006
A sonda New Horizons é lançada rumo a Plutão e à Cintura de Kuyper, com a previsão (acertada) de chegar ao destino em Julho de 2015

24 de Agosto de 2006
Reunida em Praga, a União Astronómica Internacional decide classificar Plutão como um dos corpos celestes gelados da Cintura de Kuyper

14 de Julho de 2015
A sonda New Horizons faz a aproximação a Plutão

ricardo.nabais@sol.pt