João Cotrim Figueiredo: ‘É importante não ficarmos à sombra da bananeira dos bons resultados’

Citibank, Compal, Nuticafés ou Privado Holding fazem parte do percurso de João Cotrim Figueiredo, que foi também director-geral da TVI. Com 54 anos, e fluente em inglês, francês, alemão e espanhol, estudou na Escola Alemã. Tirou um bacharelato em Economia na Universidade de Londres e tem um MBA na Nova. É presidente do Turismo de…

João Cotrim Figueiredo: ‘É importante não ficarmos à sombra da bananeira dos bons resultados’

Que expectativas tem para o turismo este ano?

Prepara-se para ser mais um ano em que se baterão recordes em Portugal. Estamos a crescer mais em receitas do que em hóspedes e em dormidas, o que corresponde a uma tendência desejável de qualificação e de melhoria do gasto médio do turista em Portugal.

Porém, as empresas do sector não têm tão bons resultados. As rendibilidades são negativas, têm excessiva dependência de capital alheio e frágeis capitais próprios.

Essa é uma realidade que conhecemos com insuficiente pormenor porque os números usados são os da Central de Balanços do Banco de Portugal, baseados nos balanços de 2013, portanto ainda sem os benefícios de 2014, que foi um excelente ano. É um tema que nos interessa acompanhar porque sem saúde financeira nas empresas de turismo não há possibilidade de investir. O aumento dos preços médios, da rentabilidade, das margens tem de continuar. O volume de receitas que o turismo tem registado – e este ano vamos ultrapassar os 11 mil milhões de euros – tem de ir para algum lado. É gerado pelas empresas e há-de ser para seu benefício.

Como é que se explica que o emprego no turismo esteja em mínimos face a 2007?

Esses dados estão muito influenciados pelo peso da restauração  na fileira do turismo. Se a excluirmos, o turismo está a criar emprego há mais de um ano e meio. E está a criar muito emprego jovem qualificado. Estamos a falar de historiadores, engenheiros informáticos, biólogos, investigadores que colocam os seus conhecimentos ao serviço do sector. Na restauração houve destruição de emprego. Não só pela falta de evolução do turismo há uns anos, mas também por questões da própria operação e aos custos de contexto, em que o mais famoso é o IVA.

Apresentaram um novo plano que prevê chegar a 2020 com 13,5 mil milhões de receitas e mais de 50 milhões de dormidas de turistas.  E transformar Portugal, agora em 15º, no 10º destino mais competitivo do mundo. Qual será a estratégia?

Queremos conquistar quota de mercado e crescer mais do que os nossos concorrentes. No final de 2014 iniciámos o projecto Turismo 2020 que tem várias peças. A primeira é um plano de acção para inserção nos fundos comunitários do Portugal 2020. A outra é o documento Turismo 2020 – Cinco princípios para uma ambição para servir de orientação estratégica. Primeiro princípio: pôr a procura à frente da oferta, ou seja, não tentar ‘impingir’ aos turistas o que temos, mas perceber o querem e adaptarmo-nos. Segundo: liberdade para investir, mas também de ser o turista a escolher como quer usufruir do país. O que fazemos na área do empreendedorismo, da desregulação, da redução dos custos de contexto tem que ver com isso. O turismo está a atrair a atenção de muita gente e se há vontade de investir, isso deve ser fácil e compensador.

E mais?

O terceiro é o princípio da abertura. É muito importante não ficar à sombra da bananeira dos bons resultados e que, regularmente, nos questionemos se o que estamos a fazer é suficiente para crescer acima dos concorrentes. Segue-se o conhecimento. Esta indústria não pode ser gerida com informação escassa, imprecisa, ou pouco atempada. Por fim, o princípio da colaboração. Entre empresas, regiões, público e privado, sectores – como o vinho, cortiça, calçado – e países.

Vão criar um grupo de reflexão sobre turismo e sustentabilidade urbana. É resposta às críticas crescentes sobre o excesso de turismo nalgumas cidades portuguesas?

A ideia já existia antes de as críticas se tornarem públicas. Vai ao encontro da resolução dos problemas que são aflorados na comunicação social. Não estamos em posição de dizer que não há problemas na evolução do turismo em Portugal. Mas também é preciso dizer que o turismo tem sido uma das grandes forças de desenvolvimento económico no país. Nas cidades contribuiu para a regeneração urbana, criar emprego, sobretudo jovem, e trazer outras formas de rendimentos para as famílias. Este grupo aparece para que seja possível falarmos  com as entidades que possam ser mais responsáveis pela solução, como autarquias, entidades de fiscalização, de segurança pública.

Se os portugueses não estão confortáveis com o turismo, não vão ‘receber bem’, outro dos motes do novo plano.

Esse é o problema estratégico que se põe nesta discussão. Temos de continuar a fazer com que os portugueses se sintam uma parte do sucesso. Tem sido a capacidade de receber dos portugueses que tem feito o turismo subir mais em Portugal do que nos destinos concorrentes. Mas se o turismo passa a ser visto como uma fonte de problemas em vez de uma coisa boa, isso mina directamente um factor essencial e distintivo de Portugal.

Com tantos recordes, como é que a sazonalidade continua a agravar-se? É uma eterna batalha perdida?

Agrava-se porque o sucesso da época alta é maior. É um reflexo numérico. Quanto mais bem-sucedidos somos na época alta, maior é a desproporção com a época baixa. Discute-se a sazonalidade de certa região em função da ocupação turística, quando o que devia discutir-se é a sazonalidade da actividade económica. O turismo não pode existir sem uma economia que funcione o ano inteiro, que permita que os serviços ou a animação estejam abertos.  Sozinho, o turismo não vai resolver o problema da sazonalidade de forma definitiva.

Isso não se faz de um dia para o outro. Temos um longo caminho a fazer?

Temos.

Como é que o Turismo de Portugal avalia a aposta dos novos donos da TAP no Brasil e nos EUA?

Ainda não tivemos oportunidade de nos sentar com os novos accionistas da TAP e perceber exactamente em que é que consiste essa estratégia. Com o que sabemos, podem abrir-se portas interessantes quer num trabalho mais fino no mercado brasileiro, que é importante para nós, quer na abertura do mercado americano.

Mas excluíram para já a ideia de voar para a Ásia. Entre as companhias asiáticas há interesse em voar directamente para Portugal?

Há. E as conversas existem.

Fizeram uma campanha com a imagem de Cristiano Ronaldo na China. Já há resultados?

Ainda não tenho resultados quantitativos muito pormenorizados. Sei que a receptividade dos operadores que foram contratados, dez dos maiores na China, tem sido muito boa. Temos apostado em reforçar a procura. Havendo procura que se desloque a Portugal por voos que ainda não são directos, isso será uma razão para que as companhias aéreas vejam com cada vez maior interesse voar directamente para Portugal.

Como tem visto este registo massivo dos portugueses no alojamento local, que querem arrendar as suas casas?

Confirma que, quando facilitamos a vida às pessoas, conseguimos trazer para a economia formal o que já existia na forma desregulada, o que vai permitir melhor fiscalização das questões de segurança, de higiene e de cumprimento das obrigações legais. Só há alojamento local e crescimento nessa área porque determinado tipo de turistas, e em determinado tipo de viagens, prefere ficar no alojamento local.

ana.serafim@sol.pt