Edições de arte num Gabinete para muitos

Numa rua a meio caminho entre o Príncipe Real e a Academia das Ciências, em Lisboa, abriu há cerca de dois meses o Gabinete, um local onde se pode ver e comprar arte a preços que vão actualmente dos sete euros aos 20 mil. Esta grande amplitude de valores deve-se ao facto de as obras…

Edições de arte num Gabinete para muitos

Por sete euros é possível comprar a impressão em papel (uma edição de 100 exemplares) de Lisboa, 18 º Abaixo do Horizonte, de Ana Romana. Por 20 mil euros está à venda Penas, o conjunto de telas de Francisco Tropa. Entre estes limites o amante de arte poderá encontrar, por exemplo, peças de artistas como João Louro (que representa Portugal na edição de 2015 da Bienal de Veneza) com a impressão preto sobre preto Double Indemnity; um disco em vinil com as músicas dos vídeos de João Onofre e trabalhos de Julião Sarmento, de João Pedro Croft, de António Bolota, entre um conjunto muito alargado de nomes. A lista é grande e está em expansão. “Não trabalhamos com um catálogo fechado, queremos trabalhar com muita gente e usando técnicas variadas. O desafio é explorar as tecnologias que se adequam a cada um dos artistas. E podemos editar desde livros a peças em 3 D, ou em tecnologias antigas e caídas em desuso”, explica Delfim Sardo, o director artístico e um dos três sócios do Gabinete.

O projecto, cujo ponto de venda é na rua Ruben A. Leitão, passa por promover a criação de edições em série e não apenas vender o que já há. O primeiro desafio foi lançado a Jorge Molder, que produziu uma série com tiragem de três exemplares, em platinotipia, “uma técnica do século XIX, muito sofisticada, rara e difícil”. Foi feita por Manuel Gomes Teixeira, “que faz um trabalho de impressão verdadeiramente excepcional. Há poucas pessoas na Europa a trabalhar com platinotipia”, diz Delfim Sardo. Para Jorge Molder foi uma descoberta aliciante, e é esse um dos campos de acção do Gabinete: “Fazer esta descoberta e desafiar artistas a trabalhar com tecnologias que não usam mas que se adequam ao seu trabalho”.

A peça mais recente a ser posta à venda, no passado dia 4 de Julho, foi a REAT, um conjunto de elementos em bronze, atados por um fio e que Francisco Tropa fez para o Gabinete. Depois de Molder e Francisco Tropa, os próximos artistas com edições agendadas são André Cepeda, João Queiroz e Fernanda Fragateiro.

“A atenção é parte integrante do projecto. Se umas vezes produzimos, outras vamos buscar obras que já existem, coisas perdidas”, diz Delfim Sardo. E dá o exemplo disso. Numa conversa, Helena Almeida lembrou-se que tem uma edição de múltiplos feitos na década de 70 e isso irá também ser vendido no Gabinete. Outro dos campos de trabalho, é o dos desenhos dos arquitectos e das maquetes “maravilhosas, verdadeiras obras de arte que ficam esquecidas”. Até porque “não há ninguém a editar estes trabalhos”. Manuel Mateus será um dos primeiros arquitectos a integrar o projecto.

A ideia de criação do Gabinete partiu de Delfim Sardo, curador de arte e professor universitário, e de dois amigos – o engenheiro João Loureiro e o comissário cultural Rui Abreu Dantas – num jantar em que avaliaram a vontade que tinham há anos de fazer uma coisa em conjunto. Decidiram criar uma editora e loja de múltiplos. “Há muito tempo que queria trabalhar com múltiplos, para mim é um interesse semelhante ao dos livros”. Outro motivo, este filosófico: “É que os múltiplos correspondem a uma certa utopia do acesso democrático à arte”.

Quando partiram para a acção já sabiam que queriam um espaço com porta para a rua e cujo aspecto “configurasse mais uma loja do que uma galeria de arte”. E encontraram o que pretendiam no espaço de loja que já foi uma produtora de teatro e uma tipografia do Correio da Manhã e onde uma frondosa árvore enquadra a montra. E a metros da zona nobre do Príncipe Real.

Para o interior pretendia-se a simplicidade. O arquitecto João Luís Carrilho da Graça sugeriu que se fizessem umas mesas/bancadas espelhadas para expor os trabalhos. “Foi uma solução muito interessante para acrescentar possibilidades de exposição à superfície de parede. E as mesas acabaram por ser estruturantes para o espaço”. De terça a sábado, das 12h às 20h, o Gabinete é um local para explorar.

telma.miguel@sol.pt