A revelação confirma o que os estudos de opinião sempre indicaram ao longo da crise grega: a intransigência negocial do Governo alemão tem como base a opinião pública de um país com uma “cultura pouco flexível, particularmente em relação às finanças”, como explica Filipa Figueira, antiga docente da Universidade de Economia e Direito de Berlim.
Guerra nos média
Desde que a sustentabilidade da dívida grega instalou definitivamente a crise financeira no seio da Zona Euro que se criou a ideia de um choque entre Atenas e Berlim, que como principal credor entre os parceiros da moeda única assumiu a liderança entre os que exigem responsabilidade fiscal aos gregos. E o fenómeno que o ministro alemão experimentou na semana passada já foi sentido no outro lado da discussão: “Sempre que falo de Merkel recebo cerca de 100 mensagens em simultâneo a dar-me os parabéns e a pedir para continuar”, contou recentemente ao New York Times o animador de rádio Giorgios Tragkas, que diz já ter feito mais de 1.500 programas dedicados à forma como a Alemanha tem vindo a pressionar o seu país.
E se a relação já não era a melhor, a chegada de um partido de extrema-esquerda à liderança do Governo helénico só agravou a retórica utilizada. Em Fevereiro, quando o Syriza requisitou o prolongamento do segundo pacote de resgate, o jornal mais vendido de toda a Europa foi taxativo: “NÃO!”, declarava a manchete do Bild – “não a mais mil milhões aos gregos gananciosos”. Para Filipa Figueira, cujo trabalho de análise económica implica a monitorização das tendências da opinião pública na Europa, “os meios de comunicação dão essas perspectivas porque sabem que têm aceitação entre os leitores”.
Entre os países da Zona Euro, a Alemanha é quem está mais exposta à dívida grega, com um total de 86,817 mil milhões de euros. Um valor que representa 3% do PIB do país, enquanto França e Itália, dois Estados-membros tidos como mais próximos da posição grega nas negociações, têm uma exposição de 3,1% e 3,5% do PIB, respectivamente.
Passado irrita
“Há razões financeiras, mas a principal é cultural: os alemães têm a ideia de que os gregos andaram a divertir-se a gastar dinheiro dos outros”, recorda Filipa Figueira, lembrando também os factores históricos que influenciam a discussão. “O tema do perdão da dívida alemã após a II Guerra Mundial foi muito debatido em toda a Europa excepto na Alemanha, onde a questão é ainda muito sensível”, diz a professora defendendo que o facto de as duas situações terem sido comparadas “terá causado uma certa irritação e é possível que tenha radicalizado a opinião pública do país”.
Schäuble desmente a existência de uma tensão bilateral. Assumindo ser “inegável” que a Alemanha “está numa boa situação económica”, o ministro garante que “não existe qualquer supremacia”. E lembra que a posição de Berlim está em maioria no Conselho Europeu: “Até o meu colega italiano Pier Carlo Padoan admitiu – nas reuniões decisivas, 15 membros da Zona Euro apoiaram a posição alemã. Só França, Itália e Chipre tinham uma opinião diferente”.
Na entrevista à Der Spiegel, o ministro das Finanças citou a avó para dizer que “a benevolência vem antes da devassidão”. Um lema que mostra estar de acordo com a ideia de um castigo ao despesismo grego, embora no final tenha prevalecido outro ensinamento. Quando Wolfgang e os dois irmãos Schäuble se desentendiam, o “pai dizia sempre que o mais forte devia recuar”. Pela memória de infância ou por ser essa a posição da chefe do Governo, “foi o que aconteceu nas negociações da Grécia. O que está em melhor posição deve tentar ajudar o mais fraco. Eu tentei fazer isso”, garante Schäuble.
No fim prevalece a Zona Euro
“Num futuro próximo será essa a posição da Alemanha”, antecipa Filipa Figueira acreditando que “o grande simbolismo que Angela Merkel atribui à moeda única” levará a que em última instância Berlim acabe por privilegiar a defesa da integridade da Zona Euro. Um cenário que se poderá alterar “caso a situação grega venha a ser repetida noutros países”.
A docente, actualmente na Universidade de Economia e Ciência Política de Londres, entende que “o euro só sobreviverá com uma maior união política e fiscal entre os Estados-membros”. E antecipa que o debate a longo prazo será entre essa maior integração e “a desistência do euro”. Até agora, sempre que chegou a hora das decisões, a defesa da moeda única sobrepôs-se sempre às quezílias entre os intervenientes.