A ‘via sacra’ das novas Igrejas

Se a construção de novas igrejas fosse sinónimo do aumento do número de crentes, a fé católica estaria em expansão em Portugal. Mas não é assim. Nos últimos 20 anos, foram construídos pelo menos 150 templos católicos, metade dos quais na diocese de Lisboa. Mas poucas igrejas resultaram da criação de novas comunidades cristãs, ou…

Neste processo há um pouco de tudo, apurou a TABU, que contactou as dioceses do País para saber quantas igrejas foram construídas nas últimas décadas. Templos à moda antiga ou capazes de chocar e indignar a população pelos seus traços ousados, carregados de luxo e ostentação ou ao estilo humilde pregado pelo Papa Francisco. Em todos os casos, o mesmo traço comum: construir uma igreja é um processo moroso – pode levar décadas – dispendioso e muito conflituoso, que traz sempre muitas dores de cabeça aos padres, arquitectos e ao ‘povo de Deus’.

Contas feitas, no topo da lista vem o Patriarcado de Lisboa, com quase 70 construções novas, de todos os estilos e feitios, em especial na zonas limítrofes da cidade. No centro da capital, deu-se o fenómeno inverso: as paróquias da Baixa agruparam-se em unidades pastorais e o modelo ‘um padre, uma paróquia’ há muito que deixou de existir.

Aveiro e Guarda registam menos de uma dezena de novas igrejas. Braga, a diocese do País com maior tradição religiosa, viu nascer seis novas construções em 20 anos, ao mesmo tempo que restaurou 131. Também na zona Norte, na diocese de Lamego, foram construídas três igrejas, mas a redução da população obrigou a seguir o caminho inverso e a necessidade de extinguir paróquias é agora cada vez mais premente. Setúbal é a única diocese em contra-ciclo: em 40 anos viu nascer 24 novas igrejas, 15 das quais novas comunidades paroquiais.

“Poucas igrejas se destacam como de qualidade”, afirma João Nórton, padre jesuíta e arquitecto, considerando que “a qualidade média é inferior ao que os nossos arquitectos sabem fazer”. Ao mesmo tempo que aponta o dedo aos técnicos – e a quem não sabe escolher “quem melhor sabe fazer edifícios” – João Nórton critica também a “falta de reflexão teológica e litúrgica sobre a arquitectura religiosa” dentro da própria estrutura da Igreja.

Igreja e arquitectos: um diálogo difícil

Trabalha-se na base do possível, afirma à TABU o especialista. Os arquitectos fazem o que sabem, mesmo quando não percebem nada de liturgia nem de fé católica. E os padres que sonham com igrejas novas para a sua comunidade dirigem as obras sem qualquer sensibilidade artística. “Não há suficiente diálogo cultural entre a Igreja e os arquitectos, nem profundidade espiritual de ambas as partes para termos obras de grande significado humano e religioso”, acrescenta ainda o jesuíta.

O problema começa quase sempre na “encomenda”, afirma Diogo Lino Pimentel, o arquitecto que durante várias décadas dirigiu o Secretariado das Novas Igrejas do Patriarcado de Lisboa (SNIP), extinto há um ano. “A Igreja tem de saber dizer o que quer”,  aponta. Se o projecto é oferecido ou o arquitecto proposto pela autarquia – que ajuda a financiar muitas obras -, ainda é mais difícil. As paróquias ficam sem margem de manobra para alterar as ideias. E surgem os problemas.

As estantes que enchem o gabinete do SNIP estão repletas de dossiês com projectos acompanhados desde 1961: das recém polémicas igrejas de Troufa Real aos templos dos anos 80, inspirados no Movimento de Renovação da Arte Religiosa, que preconizava igrejas discretas e inseridas na paisagem urbana, como a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, no centro da cidade, da autoria dos arquitectos Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas.

Como deve um templo religioso apresentar-se ao mundo?

Antes de ser uma questão arquitectónica – e de se entrar na discussão do gosto, se é feia ou bonita – na origem da construção de uma igreja tem de estar uma questão pastoral. “Nos tempos actuais, a Igreja deve propor e não impor”, considera Lino Pimentel. Por isso, “deve ser discreta e não uma afirmação da vaidade do prior”. D. Pio Alves, bispo do Porto, acrescenta: “A Igreja não está fechada mas interessada em que haja construções com critérios actuais, de agora. Mas que sejam igrejas, adequadas à sua função”.

O custo é outro factor essencial desta complexa equação que consiste em construir um edifício que fale ao mundo mas seja também a casa de uma comunidade. “É um bom constrangimento”, na opinião de João Nórton: “exige simultaneamente criatividade e contenção, estimula a liberdade e pobreza”. A maioria das obras são financiadas pelos paroquianos que angariam fundos durante anos, havendo também quase sempre apoio autárquico.

Casimiro Henriques, director da Comissão de Arte Sacra da diocese de Setúbal, dá o exemplo de duas igrejas totalmente diferentes, que surgiram para albergar novas paróquias – Santo André e Sobreda. Na primeira, o edifício é de linhas redondas e o interior octogonal, com o altar ao centro – “para que os fiéis não sejam apenas ouvintes mas participantes”, explica o pároco Armando – e uma enorme tela atrás onde se retratam cenas bíblicas.

Na Sobreda, a simplicidade está nas linhas direitas, nas paredes despidas, na única nave mobilada com cadeiras de plástico. “Não é necessariamente mais barato construir a direito”, explica Casimiro Henriques. No primeiro caso, o padre pegou no projecto e mobilizou a comunidade até ao fim; no outro, foi mudando, dificultando a progressão da obra.

As comissões diocesanas apreciam os projectos e acompanham as obras, garantindo o cumprimento das regras litúrgicas (lugar do altar, ambão). Um diálogo nem sempre fácil. A última palavra é sempre do bispo e pode ser decisiva. Mas a maioria, mesmo nos casos polémicos, prefere não se meter no assunto.

rita.carvalho@sol.pt

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