Para Klemens Richter (1940), liturgista de Munique, a revolução maior do século XX na arquitectura religiosa cristã é devida à devolução à assembleia viva do espaço de culto e à possibilidade de esta última traduzir a sua unidade fundamental através de uma presença activa da comunidade em torno do altar.
Aos dois tipos de estruturação do espaço litúrgico associados, pelo arquitecto alemão Rudolf Schwarz (1897,1961), às imagens de uma igreja ‘via ou caminho’ e de um ‘anel aberto’ consolidou-se nas últimas décadas do século XX um terceiro tipo de espaços, associado por Albert Gerhards (1951) à ideia de centro: espaços que se aproximam da ideia de que a assembleia celebrante é através da sua configuração a imagem de um ‘templo espiritual’, uma construção feita de ‘pedras vivas’.
No primeiro tipo de estruturação arquitectónica, de raiz vincadamente basilical, associado à imagem de uma ‘igreja caminho’, permanece uma distinção evidente entre o espaço do santuário e a nave onde se dispõe axialmente a assembleia. Num espaço organizado em profundidade é dificultada a relação interpessoal. Este tipo de espaços tendem a acentuar uma dimensão visual da devoção individual em detrimento da reunião em torno da fracção e partilha da palavra, do pão e do vinho.
O segundo tipo, associado à imagem de um ‘anel aberto’, foi experienciado nas celebrações realizadas no Castelo de Rothenfels, a sede da associação da juventude católica Alemã, nas décadas de vinte e trinta do século passado. Em torno da personalidade e do pensamento de Romano Guardini, reuniram-se aí as personalidades que nos campos da arquitectura da liturgia e da arte sacra anteciparam, porventura com maior radicalidade, os desígnios e as reformas do Concílio Vaticano II. Muitas das experiências que se sucederiam encontraram raiz em Rothenfels, numa solução que é ainda hoje profundamente consensual. A forma em ‘anel aberto’ articula sem grandes constrangimentos as várias acções que integram as liturgias da missa: o anúncio da Palavra; a oração comunitária, a individual e a reunião em torno da mesa da refeição.
O terceiro tipo de espaços sublinha a ideia de que a visão da liturgia proposta pelo Concílio Vaticano II é a de uma acção consumada no centro da assembleia, o lugar onde Cristo manifesta a sua presença. Esta proposta encontrou raiz, sabemos hoje, no património de uma tradição marcada pela diversidade das experiências litúrgicas das primeiras basílicas cristãs do século IV: Sírias, Romanas e do Norte de África e, não menos importante, na domesticidade das funções da casa, o arquétipo do lugar da celebração Cristã.
Entre tantas outras relevamos experiências tão distintas quanto a renovação da Igreja de São Francisco (1998), em Bona, realizada por Dieter Baumewerd (1932), a intervenção de Maria Schwarz, na igreja de St. Alberto em Andernach, projectada inicialmente por Rudolf Schwarz, em 1954, ou ainda aquela que porventura foi objecto de um processo de transformação mais lento, continuado e maturado, a Igreja de Santo Inácio de Paris. Nesta última os três pólos da acção litúrgica articulam-se com a assembleia, no centro do espaço: o altar no centro do eixo dominante e, nos extremos opostos, a mesa da Palavra e o lugar da presidência. Se o altar ocupa um dos centros da elipse, o segundo constitui-se como um lugar de espera: a espera de um baptizado, de uma ordenação, dos últimos votos de um caminho religioso ou mesmo da presença de um defunto.
Pensar e desenhar lugares para a interioridade, para hospitalidade e para a comunidade, abertos ao Outro, infinitamente diferente mas infinitamente próximo, deveria caber naquilo que é primeiro em matéria de espaço litúrgico: as pessoas que se reúnem e aquilo que fazem em conjunto, em razão da sua fé comum.
A herança cultural e ritual, como refere o Jesuíta francês Joseph Gelineau (1920-2008), vem em segundo lugar. O sujeito da liturgia, Esse, deve ser compreendido na assembleia dos homens reunidos.
*Arquitecto (investigador CIES-IUL)