Jon Stewart. Adeus até ao meu regresso

Quando a data foi marcada para 6  de Agosto, o próprio presidente achou que podia intervir e mudá-la para um outro dia, num futuro muito distante. No passado dia 21, Barack Obama foi ao Daily Show (pela sétima vez) e disse a Jon Stewart, o anfitrião demissionário do programa  satírico da cadeia norte-americana Comedy Central,…

Jon Stewart. Adeus até ao meu regresso

Mas ao contrário do presidente, que deixará a Casa Branca no final do ano por legalmente não poder fazer mais nenhum mandato, Jon sai sem ser empurrado, e, para os muitos apreciadores, em plena posse das suas capacidades. Uma diva que se retira por falta de atenção? Nada disso. Autocrítico, avesso ao culto da sua própria personalidade, ao ponto de evitar cerimónias que lhe entregaram ao todo 17 Emmys, Jon retira-se porque, sente, a chispa morreu. Aos 52 anos, achou que «o melhor emprego do mundo», como o descreveu, já não dava para ele.

Foi em Fevereiro que o comediante fez o anúncio da saída, embora sem data prevista, durante uma gravação do programa. «Nunca tive um emprego durante tanto tempo. Os 17 anos que aqui estive ultrapassam em 16 anos e cinco meses o meu segundo emprego mais duradouro de sempre», disse, aproveitando para agradecer ao canal a oportunidade e à equipa o privilégio. 

Jon Stewart nasceu em 1962, em New Jersey, com um nome judeu que recusaria mais tarde. Não para esconder as origens – como esclareceu muitas vezes –  mas por a sua relação com o pai, um professor de Física,  ser má ao ponto de ele a definir como «ainda complicada», em 2015, dois anos após a morte do progenitor. Mas só em 2001, o cidadão Jonathan Stuart Leibowitz – e já à frente do Daily Show – passou a assinar legalmente Jon Stewart.

Treinador de futebol e bartender

Mas até lá chegar, Stewart tivera uma gestão de carreira errática.  Jogou futebol na universidade, muito mais do que estudou para se formar em Psicologia, e passou por vários empregos, entre eles o de manipulador de marionetas e treinador de futebol. Mas foi enquanto trabalhava como bartender no mítico City Gardens de Trenton, onde bandas marginais como os Nirvana ou os Green Day faziam os seus primeiros concertos, que descobriu um sentido para a sua vida.  A energia criativa do clube contagiou o jovem, que definiria a partir daí a sua veia de comediante. Em 1986 inicia-se na stand-up comedy  no The Bitter End, o clube onde Woody Allen, um dos seus ídolos, tinha igualmente começado. Mais tarde, durante dois anos, seria um dos principais do Comedy Cellar. 

Em 1989 iniciaria a sua carreira na televisão. Primeiro como argumentista, tendo passado por diversos programas. Em 1993, após ter sido entrevistado por David Letterman, dirigiu o Jon Stewart Show na MTV, cuja popularidade só era ultrapassada, no canal que celebrava a cultura juvenil, pela série de animação Beavis and Butt-Head.  David Letterman era um fã do programa e iria mais tarde contratar Stewart como argumentista. Já na CBS, o comediante substituiria variadas vezes anfitriões do Late Late Show. Em 1999, Stewart assinou pela Comedy Central, criada em 1989 pela Time Warner como canal exclusivamente de conteúdos humorísticos. O resto temos visto. O   Daily Show assenta num formato simples: uma série de supostos repórteres enviam ‘directos’ (o actor Steve Carrel, John Oliver e Stephen Colbert que irá substituir proximamente David Letterman no Late Night da NBC estiveram nessa equipa); bolsas de comentários sarcásticos sobre a situação política interna e externa; uma entrevista – a políticos de primeira linha, celebridades ou autores – e, a finalizar, o momento zen, onde se expõem imagens particularmente bizarras difundidas pelas televisões. Em Setembro, o Daily Show prossegue com o sul-africano Trevor Noah, comediante radicado nos EUA desde 2011.

Popular sem audiências

A partir de meio de Agosto, Jon quer ver os filhos, Nathan e Maggie, chegarem a casa vindos da escola e jantar durante a semana com a sua família que, ouviu dizer, «de variadíssimas fontes, são óptimas pessoas». Esta foi a explicação que deu no ar. Parte disso será verdade, o resto tem a ver com o que disse em Fevereiro quando  fez ‘o anúncio’ aos espectadores – «Este programa não merece um anfitrião nem que seja ligeiramente menos acutilante e vocês também não o merecem» – e com o que foi explicando aos poucos.  Comparou a sua relação com o programa com as relações amorosas longas: primeiro achamos que já não estamos muito interessados, mas isso passa. Até que um dia acaba por não passar e, sem drama, a decisão vai-se instalando à medida que o entusiasmo desaparece. E, no entanto, as coisas só podiam estar a correr bem para um talk show político e humorístico que consegue sentar Barack Obama, todas as celebridades e os intelectuais que pretende. Por si só, as audiências, são relativamente modestas – a emissão com Barack Obama teve 1.5 milhões de espectadores. Nem são os números  suficientemente eloquentes para avaliar a notoriedade de um programa que é sobretudo copiado, partilhado e revisto: está quase tudo disponível no Youtube, o programa é comprado por televisões em todo o mundo (incluindo a SIC Radical) e agora está em streaming total para os assinantes da Comedy Central. 

A tradicional medição de audiências pela auditora Nielsen também não chega para explicar o próprio papel de Stewart como agente provocador contra a direita conservadora, o reaccionarismo moral e contra a Fox News, um dos alvos mais explícitos e consistentes ao longo dos anos. Aliás, ser obrigado a ver constantemente a Fox News à procura de material, disse o comediante, estava a deprimi-lo. E explicou que era como entrar todos os dias numa mina de excrementos, tendo esperança de não vir a morrer de uma doença pulmonar, e fazer isso voluntariamente. 

Seguramente, Jon Stewart não entrará na pré-reforma até porque, ao longo destes anos,  provou que a sua vida não cabe toda no ecrã de televisão e que encontra sempre emprego para a sua energia transbordante. Em 2004 escreveu America : The Citizen’s Guide to Democracy Inaction, e em 2010, juntamente com colegas argumentistas do Daily Show escreveu  Earth:  A Visitor’s Guide to the Human Race, no qual se explica, com o sentido de humor ácido típico dos autores, a civilização humana a um eventual extraterrestre que chegue à Terra após o desaparecimento da humanidade. Nesse mesmo ano de  2010, Stewart passou das palavras aos actos ao promover o ‘Movimento para Restabelecer a Sanidade’, um empreendimento  que com a ‘Marcha para Manter o Medo Vivo’, patrocinado pelo programa (Também da Comedy Central)  Colbert’s Report, levou a uma manifestação de mais de 200 mil pessoas em Washington, contra o avanço das forças conservadoras do movimento Tea Party. No ano anterior, Sarah Palin, a governadora do Alaska que se candidatara à vice-presidência dos Estados Unidos, fora o bombo da festa de Jon Stewart.

Em 2014, e após se ter ausentado durante 12 meses dos estúdios da Comedy Central, escreveu e  realizou Rosewater , um filme baseado nas memórias de Maziar Bahari dos meses em que foi preso e torturado pelo regime iraniano acusado de ser espião ao serviço da CIA. Uma das provas apresentadas pelos acusadores foi a entrevista que o jornalista de dupla nacionalidade (iraniana e canadiana) deu ao Daily Show em 2009. Há quem diga, que Jon Stewart gostou tanto da sua experiência que fazer filmes poderá ser uma das suas futuras carreiras. Nada está ainda planeado, diz ele. O certo é que vai andar por aí. 

telma.miguel@sol.pt