Juíza admite levantar segredo de Estado para saber se há espiões em empresas privadas

A juíza Rosa Brandão, presidente do coletivo que está a julgar o caso das secretas, admitiu pedir o levantamento do segredo de Estado para saber se existe uma base de dados de ex-espiões que transitaram para empresas privadas e que passaram a ser fontes dos serviços secretos. 

Isto porque Júlio Pereira, secretário geral do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP), ouvido como testemunha, disse desconhecer a lista, sublinhando que mesmo que soubesse alguma coisa não o poderia dizer por estar vinculado ao segredo de Estado.

Perante esta resposta, a magistrada referiu, então, a hipótese de pedir o levantamento do segredo de Estado para esta matéria dada a pertinência dos factos para a defesa. Este tema de uma alegada base de dados com nome de ex-espiões ‘infiltrados’ em empresas surgiu hoje durante o julgamento logo depois de almoço. Nuno Morais Sarmento, um dos advogados de Jorge Silva Carvalho, questionou Júlio Pereira se teria ou não autorizado alguém dos serviços a transitar para a Portugal Telecom (PT). Lembrando que a PT não era pública, mas privada, a defesa deixou ficou no ar a ideia de que as ‘secretas’ colocam infiltrados nas empresas e que isso aconteceu na operadora portuguesa. Júlio Pereira não quis responder com clareza a esta questão, mas adiantou que mesmo que isso tivesse acontecido teria sido numa altura em tinha havido uma golden Share do Estado.

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Júlio Pereira foi ainda confrontado pela defesa de Silva Carvalho com o facto de ter dito, de manhã, que a Ongoing não seria estratégica. Tendo o advogado lembrado que se tratava de um acionista de referência da empresa de telefonia. Júlio Pereira disse que as suas anteriores declarações se baseavam no conhecimento que tinha da empresa pelos jornais.

A audição de Júlio Pereira durou até às 19h, tendo o responsável recusado responder a muitas outras questões colocadas pela defesa escudando-se no sigilo a que as informações das ‘secretas’ estão sujeitas.

À defesa de Silva Carvalho voltou a frisar – como havia dito de manhã ao Ministério Público – não ter tido qualquer reunião com Silva Carvalho em que lhe fora transmitido o pedido de acesso a dados do jornalista Nuno Simas. Esclareceu ainda só ver as faturas dos telefones de serviço quando era alertado. A sua função, disse, é, sobretudo, analisar gastos elevados.

Na sequência de algumas preocupações manifestadas pela defesa do principal arguido, Silva Carvalho, sobre o que o constituinte poderia ou não revelar, a juíza Rosa Brandão, presidente do coletivo, questionou ainda Júlio Pereira sobre se o ‘super-espião’ incorreria em violação do segredo de Estado caso quisesse contestar a sua versão. Ou seja, se o arguido quisesse confirmar a existência de uma qualquer reunião, contrariando a versão da testemunha. O chefe das ‘secretas’ respondeu não ver em que medida é que essa informação pode violar o segredo.

O mesmo já não acontece sobre uma outras preocupações manifestadas pela defesa de Silva Carvalho e que consistiam em saber se o arguido poderia falar sobre o modus operandi dos serviços e outros detalhes.

Segundo a juíza presidente era importante este esclarecimento, uma vez que o arguido Silva Pereira disse querer pronunciar-se sobre algumas questões, desde que não violasse o segredo de Estado.

A magistrada concluiu, após ter ouvido o secretário-geral do SIRP, que quando o arguido prestar declarações será analisado caso a caso o que está ou não coberto. Sendo que à posteriori será pedido o levantamento do segredo. Lembrando que para isso terá sempre de haver pertinência para o processo.

Durante o julgamento, a procuradora Teresa Almeida fez um protesto a meio da tarde pelo facto de o advogado Morais Sarmento ter trazido dados novos ao processo quando o arguido que representa se remetera ao silêncio. Em causa estava uma pergunta de Morais Sarmento sobre se a testemunha não se recordava de ter recebido de Silva Carvalho duas folhas dobradas em quatro.

Em reação, a procuradora disse não se recordar de ter visto nunca referência a qualquer folha dobrada em quatro no processo, justificando assim o seu protesto.

Júlio Pereira diz não ser o guardião das secretas

Durante as perguntas do advogado de João Luís, Paulo Caldas, surgiu uma das frases mais curiosas de Júlio Pereira: “Eu sou o guardião do que está no meu gabinete, os guardiões do que está nos serviços são todos os que lá estão”.

 O advogado de Nuno Vasconcellos, Francisco Proença de Carvalho, questionou Júlio Pereira se concordava com a acusação de que existia uma confusão entre a Ongoing e os serviços de informação. Júlio Pereira disse só conhecer este caso e adiantou não poder afirmar a existência de uma confusão permanente entre a empresa e os serviços.

Quando questionado pela advogada Lídia Branco, representante dos arguidos Gisela Teixeira e Nuno Dias, a testemunha esclareceu que Nuno Dias poderia porém não ter consciência da gravidade de pedir informações sigilosas a uma operadora.

carlos.santos@sol.pt