Em época de nobreza, só era feriado para a Corte, que já por si tinha o descanso como garantido. Só com a revolução republicana é que a população passou a usufruir do feriado na forma como hoje o conhecemos: nacional ou municipal e com direito a escusa do trabalho.
A partir daí deu-se um vai e vem de feriados que, ao longo dos anos, foram dando novas formas ao calendário dos portugueses. Já houve anos com apenas cinco, épocas em que a religião não dava direito a pausa e, na história mais recente, passamos de país da Europa com menos dias de descanso para um dos que têm direito a mais feriados.
No rescaldo da aprovação do regresso dos quatro feriados retirados pelo anterior Governo, relembramos as datas que serviram de viragem de capítulo na história dos feriados em Portugal.
Revolução Republicana
Começamos com uma curiosidade. O 1.º de Dezembro é o feriado civil mais antigo, tendo conseguido o feito de atravessar uma Primeira República, um Estado Novo e uma democracia. O único obstáculo inultrapassável para a Restauração da Independência foram as medidas de contenção do governo de Passos Coelho que, em 2012, decretou o fim de quatro feriados, entre eles o 1.º de Dezembro.
«Esta era uma data comemorada desde o dia da restauração, em 1641», lembra o historiador Luís Reis Torgal. No entanto, antes da revolução republicana, os chamados ‘dias de gala’ eram escolhidos pela nobreza e só por ela assinalados. «Para a população em geral, continuava a ser um dia normal de trabalho», explica ao SOL.
O autor do livro Feriados em Portugal: tempos de memória e de sociabilidade refere que só em 1910 se começou a encarar o feriado como dia de pausa no trabalho e que foi também nesse ano que se deram algumas das transformações mais significativas do calendário. Tendo em conta o processo de laicização em curso, no plano republicano não foram incluídos os dias santos. Já os feriados civis passaram a ser cinco: 1 de janeiro, (transformado em Dia da Fraternidade Universal), 31 de Janeiro (data da revolta republicana no Porto, em 1891), o 5 de Outubro (Proclamação da República), o 1 de Dezembro (Dia da Independência) e o 25 de Dezembro (que passou a Dia da Família). O novo decreto de lei permite ainda que cada município junte um feriado municipal a este conjunto.
Apesar da rigidez das regras, rapidamente se foram acrescentando mais dias a este calendário de folgas. Logo em 1912, o 3 de Maio passou a ser feriado, para comemorar a descoberta do Brasil. O curioso é que a chegada de Pedro Álvares Cabral deu-se a 22 de Abril. «Como a 3 de Maio se comemora o dia de Santa Cruz e o nome dado ao Brasil inicialmente era Terra de Vera Cruz, a comemoração foi adiada», explica o historiador.
Em 1929, já durante a ditadura militar, o 10 de Junho passou a ser de descanso obrigatório em todo o país. Isto porque se tratava de um feriado municipal de Lisboa que em 1925 passou a ‘festa nacional’ ainda sem descanso obrigatório. Com a transformação em feriado oficial, passa a designar-se ‘Dia de Camões’ e dá direito a folga a todos os trabalhadores.
Estado Novo
Embora o Estado Novo fosse uma época de alterações profundas no país, foram precisos quase vinte anos para que Salazar alterasse o número de feriados – e só o fez depois da assinatura da Concordata com a Santa Sé, em 1940, e o Ano Santo de 1951. Até mesmo o feriado da Imaculada Conceição, formalizado em 1948, é celebrado durante anos como o Dia da Consagração de Portugal a Nossa Senhora.
Em 1952, é posto um fim aos feriados de 31 de Janeiro e 3 de Maio. Para voltar a compor o calendário, regressam as celebrações católicas e com elas três novos feriados: Corpo de Deus (móvel, entre maio e junho), 15 de Agosto (Assunção de Nossa Senhora) e 1 de Novembro (Dia de Todos os Santos).
Apesar da introdução de mais celebrações católicas, a Igreja não as considerava suficientes, lembra Luís Reis Torgal, o que deu direito a queixas públicas de bispos e do cardeal patriarca.
25 de Abril
Dois dias depois da revolução de Abril de 1974, foi criado pela Junta de Salvação Nacional o feriado do 1.º de Maio. Sob o Estado Novo, este dia era apenas festejado informalmente e, no máximo, contava com manifestações dispersadas pela polícia e algumas greves. Já o 10 de Junho continua como feriado, mas vê a sua designação alterada: do nome Dia da Raça, criado por Salazar, passa a Dia de Camões e das Comunidades.
No ano seguinte, já sob o governo de Vasco Gonçalves, a revolução passa oficialmente a feriado. Ainda em 75, é acrescentado ao calendário mais um feriado religioso: a Sexta-feira Santa. O processo começa com a passagem da tolerância de ponto – uma criação do Estado Novo – de quinta-feira à tarde para todo o dia de sexta, a que se juntou um novo decreto-lei que permitia que os privados fossem abrangidos por estas regras.
Mais tarde, em 2003, Portugal passa a ter o seu mais recente feriado, o domingo de Páscoa, que até aí, por calhar a um dia já de descanso, não tinha honras de pausa oficial.
2012
O calendário de 13 feriados vigorou até ao governo de Passos Coelho e as medidas de austeridade impostas, que vieram suprimir quatro dias de descanso: dois religiosos, o de Corpo de Deus (móvel), e o dia 1 de Novembro, e dois civis, 5 de Outubro e o 1.º de Dezembro. Apesar de ser anunciada como uma medida de suspensão, a verdade é que em 2014, ainda como primeiro-ministro, Passos Coelho garantiu que não seriam repostos nos cinco anos seguintes.
2016
Muda-se o governo, mudam-se os prazos. António Costa tinha já usado como bandeira na campanha às legislativas a reposição dos feriados abolidos pela troika. Chegado ao poder, levou o assunto a discussão e ontem o regresso dos quatro feriados foi aprovado no Parlamento, com os votos a favor do Governo e dos partidos de esquerda. Ainda não totalmente satisfeitos estão Os Verdes e o PCP, que propõe que o Carnaval seja também fixado como feriado.