Assunção Cristas é mais Jagger do que Bowie

A recusa de Nuno Melo ir a jogo é uma excelente notícia para o CDS. Se tivesse concorrido à liderança ganharia com o apoio das principais distritais do partido, mas o partido voltaria a ser o do táxi.

O eurodeputado tornou-se conhecido por ser uma espécie de Mariana Mortágua da direita, pelo seu papel de justiceiro contra as fraudes na banca. Mas ganhou uma imagem de popularidade que dificilmente confirmaria em eleições.

De facto, Nuno Melo corporiza o velho CDS no seu maneirismo ‘queque’ e tradicionalista – e não seria uma boa ideia fechar outra vez o partido numa redoma de touradas, râguebi e olá semanário.

Assunção Cristas será a líder do CDS e essa é a melhor de todas as notícias para a direita portuguesa.

E não necessariamente má para António Costa, a seu tempo se verá – não por Assunção ser mais à esquerda, precisamente pelo contrário. É democrata-cristã, conservadora nos costumes mas humanista, com capacidade para sedimentar a influência ganha na última década pelo CDS, e também para desviar eleitorado ao PSD e reconfigurar o mapa político.

Não há dúvidas de que Assunção Cristas é popular. Passou pelos corredores do poder sem deixar de ter uma vida fora dos corredores do poder. Em nove anos, deu-se a conhecer ao país.

Sabemos que tem uma história dolorosa; a sua família retornou de Angola como milhares de outras, mas tendo essa memória nem por um segundo dá mostras de ter contas a ajustar com o passado, um bom sinal.

O puzzle do novo ciclo político continua assim a compor-se. Um Governo para já apoiado no Parlamento pelos partidos à esquerda, António Costa mais confortável em São Bento, CDS a arrumar a casa e a reconfigurar-se para ser um pêndulo do sistema e não apenas muleta para o PSD.

Faltará, apenas, resolver o problema Pedro Passos Coelho, que se desgasta todos os dias mais um bocadinho na oposição.

E, obviamente, falta também Marcelo Rebelo de Sousa ocupar o seu lugar no Palácio de Belém (conceber outro cenário é tarefa para macumbeiros ou doidos varridos).

Assunção Cristas vai ter de apresentar duas ou três ideias estruturantes. Ideias que mobilizem e a ajudem a criar o seu próprio caminho de liderança.

Terá a enorme vantagem em relação a Paulo Portas (um grande personagem) de ser mais Mick Jagger do que David Bowie, mais coerente do que camaleónica.

Na sucessão de um camaleão não pode surgir outro camaleão – entre o original e a cópia as pessoas nunca mais se esqueceriam do original.

Anotícia da nova liderança do CDS pode significar, também, um problema para o PSD.

Cristas não tem vantagem em entrincheirar-se, o CDS pode ser poder e influenciar transversalmente o tabuleiro político. E com um argumento perfeito: livrar o país da ameaça de um poder refém dos comunistas e da extrema-esquerda. Costa jogará também aqui, veremos o que fazem Cristas, o PCP e o BE.

Para concluir, um lugar mais do que comum. Assunção Cristas terá de ser firme. Nos corredores do Caldas haverá esqueletos e fantasmas a pairar. Não há pior ameaça do que suceder a um líder carismático, a maioria dos que assumem esse peso sucumbem à primeira revoada de vento.

E, se tiver de ser, não hesitar em afastar um ou outro pelo caminho. O poder constrói-se na inclemência com os que desafiam, só depois vem a tolerância.

luis.osorio@sol.pt