Ricardinho: ‘Não deixei de jogar com amigos na rua’

Ricardinho acaba de terminar o Europeu 2016 de futsal com três dos melhores golos da competição no top10, mesmo com a sua seleção a ser eliminada nos quartos pela Espanha. Ouve kizomba, continua a gostar de jogar na rua e não fecha a porta a um regresso a Portugal. E um título pelo seu país?…

Comecemos pelo Europeu 2016 na Sérvia. O que faltou a Portugal nesta competição, já que se sentia que esta podia ser a vez do nosso país?

Nós sentimos que todos os europeus e mundiais em que participámos podiam ter sido ‘o nosso’ porque temos muita ambição e vontade de vencer. Infelizmente também sabemos que apesar da imensa qualidade que temos, ainda existem seleções superiores a nós. Faltou-nos conseguir o que era o nosso objetivo principal (vencer a fase de grupos), mas não fomos competentes…

Não achas que pode ser também falta de sorte?

Não considero que seja falta de sorte, considero que seja falta de competência e temos de perder o respeito aos eternos favoritos.

Falando de ti. Já foste por duas vezes o melhor do mundo no futsal e à volta do mundo todos te elogiam. Achas que podes fazer o triplete?

É sem dúvida o maior troféu que podemos conquistar: o respeito e a admiração. Espero sinceramente ser considerado novamente o melhor este ano, pois trabalho para isso, mas os nomeados serão sem dúvida ‘rivais’ de peso e não será fácil vencer.

E aqueles três golos mágicos. O que te passa pela cabeça quando os fazes?

São movimentos e fintas que vais treinando e algumas vezes nos jogos arrisco em fazer. Até hoje tem corrido bem e só assim sou feliz em campo.

A Bota de Ouro acabou por te fugir por não teres assistências suficientes. É um dos aspetos a melhorar?

Foi algo raro que me aconteceu, sou quase sempre o jogador com mais assistências nos meus clubes, faço uma média de 30 por ano, mas no europeu não fiz nenhuma. Também só conseguimos marcar 9 golos dos quais fiz 6, dificilmente conseguiria fazer muitas assistências. Sinto que sou um jogador bastante solidário e companheiro, não me considero nada individualista.

O que fazes com o pé esquerdo no quotidiano? Já que no campo todos sabemos…

Que eu me lembre acho que não faço nada de especial além do que todos nós fazemos normalmente. Acho é que sou muito exigente comigo mesmo e estou sempre a tentar fazer algo novo, mesmo em casa ou na rua com pedras ou bolas.

E para relaxar? Apostamos que ouves muita música.

Depende do dia e do jogo, umas vezes estou mais divertido, outras estou mais sério e focado, mas sempre com muita vontade de ganhar os jogos. Não tenho nenhuma música em concreto, mas gosto que seja sempre à volta do afrobeat e muito kizomba!

Saíste de Portugal rumo ao Japão e depois à Rússia. Admites um regresso a um dos três grandes?

Nada é impossível na carreira de um desportista, principalmente no meu caso, que felizmente estou num patamar alto. Eu amo o Benfica, amo a cidade do Porto porque nasci lá, o Sporting sempre foi um grande rival e o futuro só Deus sabe, não fecho as portas a ninguém…

Os tempos em que jogavas na rua estão longe. Agora que és uma estrela, não gostavas, por momentos, de voltar à tua terra, em Fânzeres?

Eu sou o que sou e já conquistei muito dentro do campo, mas não deixo de jogar com amigos e colegas na rua, em ringues em Portugal e Espanha porque sou assim mesmo, e sei que posso estar sempre a melhorar. Não mudei a minha personalidade e muito menos esqueço as minhas origens, mas é óbvio que hoje em dia já não posso fazer tudo o que quero, tenho mais olhos em cima de mim e prontos para criticar…

Mesmo com as críticas, és considerado dos melhores. Os 30 anos incomodam-te?

Queria agora ter 25 anos e estar neste momento de forma, mas a vida é assim. Estou a aproveitar ao máximo este momento e quero eternizá-lo. Espero poder jogar ao mais alto nível pelo menos até aos 36, depois vejo. As propostas para novos desafios continuam a chegar e eu sou um aventureiro…

Que episódio inesquecível guardas dessas tuas aventuras no estrangeiro?

Como país, na Rússia foi a pior aventura da minha vida, são pessoas totalmente opostas a mim, pouco faladoras, muito fechadas, não gostam muito de estrangeiros e o frio é horrível. No Japão adorei a cultura, as pessoas são muito gentis, muito respeitosas e foi sem dúvida um país onde jogaria para sempre. Um episódio que jamais esquecerei… Íamos a caminho de um jogo para a Taça e aconteceu um grave terramoto, e depois um tsunami. Ficámos sem poder sair de Tóquio, sem internet para comunicar durante horas e sempre a saber pelas notícias que morriam pessoas atrás de pessoas a cada minuto. Acabámos por conseguir ultrapassar o momento complicado.

Agora estás em Espanha no Inter Movistar, onde jogas com o Cardinal. E este fim-de-semana há clássico contra o El Pozo Murcia. Quais são as principais diferenças da modalidade em relação a Portugal?

Aqui em Espanha há muito mais intensidade, os pavilhões estão sempre cheios e com pessoas fora sem bilhetes a querer entrar. A isto juntamos imensos campeões do Mundo e da Europa e a organização da própria liga que é fantástica. O espetáculo é sempre garantido.

O futsal parece estar em crescendo tal como tu. Até onde queres ir?

Com o futsal a ter o desenvolvimento que está a ter espero não terminar a carreira sem jogar uns Jogos Olímpicos. Seria algo que guardaria para sempre na memória.

 E o teu sucessor?

O meu sucessor deixo para os especialistas escolherem, pois todos os dias aparecem facilmente para eles novos Falcões e Ricardinhos. Só se esquecem é que até chegar a este patamar demoramos anos e anos com muito sofrimento, desgaste e dedicação. Quando terminar vou analisar bem o que pretendo fazer, adorava estar ligado à modalidade mas não sei o que fazer ainda.

Finalmente, deixamos-te um desafio: se fizeres dez cabritos até ao final da época, a redação do SOL paga-te um almoço no ‘Orelhas’. Pode ser?

Seria um prazer enorme para mim, pois adoro esse restaurante. Já almocei várias vezes lá e sou sempre bem recebido. Se não fizer os dez cabritos, pago eu o almoço, ok?

jose.capucho@sol.pt