Venezuela: pai de Leopoldo López diz que “já se pode falar em genocídio”

Leopoldo López Gil pediu aos organizadores da conferência ‘Falemos da Venezuela’, que esta semana se realizou em Lisboa, para não ser apresentado como pai do futuro Presidente da Venezuela. O seu filho, também Leopoldo López, foi detido em 2014 por convocar manifestações e condenado a 13 anos de prisão como culpado pelas mortes provocadas pela…

Venezuela: pai de Leopoldo López diz que “já se pode falar em genocídio”

Vive-se o pior período do ‘Chavismo’ na Venezuela?

Leopoldo López Gil (LLG): É possivelmente o pior momento do socialismo do séc. XXI, uma invenção do tenente-coronel Chávez. Ele desmontou todo o aparelho institucional, onde se realiza o debate, e traiu a democracia transformando-a numa tirania do executivo. E agora o seu herdeiro, o seu filho, senhor Maduro – que não tem educação militar e que tão pouco tem qualquer tipo de educação – cometeu todos os erros que havia para cometer, submetendo o povo ao sacrifício que assistimos, com falta de alimentos, de medicamentos, e por consequência, com um nível de insegurança que no ano passado foi responsável por 28 mil mortes – só por violência, não por causas naturais. Um Estado que nega assistência sanitária à população está a condená-la à morte. Na Venezuela já se pode falar em genocídio do socialismo do séc. XXI.

Mas nem todos os anos do ‘Chavismo’ foram marcados por tanta escassez de bens. O que mudou?

LLG: O que mudou foi que essa pseudo prosperidade estava sustentada em dinheiro fácil, conseguido com obras realizadas por governos anteriores a nível da infraestrutura produtiva do país. E também no petróleo, quando este alcançou um preço jamais imaginado sobrava dinheiro. Isso provocou um efeito imediato de melhoramento mas o descontrolo da economia, que levou a estes níveis de inflação, fez com que essa melhora se acabasse por traduzir numa maior pobreza. E as últimas estatísticas mostram-nos que há 80% da população numa situação de pobreza.

Vemos as filas que as pessoas são obrigadas a enfrentar para entrar num supermercado com prateleiras quase vazias. Toda a população as enfrenta ou há quem contorne?

LLG: Toda a população enfrenta excetuando aqueles que chamamos de enchufados (protegidos), que são os que têm vínculo direto a governantes e que têm acesso a produtos e alimentos quando querem e como querem.

E há também o mercado negro…

Mitzy Capriles (MC): O mercado negro é feito por gente que compra o pouco que consegue e em vez de consumir vende por um preço mais alto, porque há muitos na Venezuela que não encontram outra forma de se sustentar. Mas mesmo assim há cada vez menos alternativas às filas, porque cada vez produzimos menos.

Esquecendo a repressão e o combate político com a oposição, como avaliam as medidas anunciadas por Maduro para combater a seca?

LLG: Eu penso que Maduro não terá nascido na Colômbia, mas certamente não nasceu na Venezuela. Acredito que nasceu em Nova Jérsia, porque só pode ser filho de Groucho Marx. Porque não há ninguém que goze tão permanentemente com o seu público como Nicolás Maduro. O único comediante do mundo que sustentava 100% dos seus atos no gozo à sua audiência era Groucho Marx. Acredito que se deve investigar esse parentesco. E se for confirmado não ficarei surpreso.

MC: Maduro nem sequer sabe a causa da seca. Passa a vida a culpa o El Niño, assim como culpa Antonio Ledezma de coisas que ele não fez. Mas não faz a menor ideia do que diz.

Ainda têm esperança de ver a maioria da oposição, formada nas eleições de dezembro, a conseguir mudar algo ainda com Maduro?

LLG: A Constituição é clara na lei e no mandato que deve ser respeitado. Se isso for respeitado poderá lograr-se muita coisa, incluindo a saída do governo de Maduro por via constitucional, legal e pacífica. Quem está a dar um golpe neste momento são os senhores de Maduro. Eles nasceram com um golpe e têm sempre na mente a possibilidade de dar um golpe – e estão a dá-lo. À constituição, que ignoram, porque ela dá ao Parlamento um poder legislativo, como poder independente e autónomo e não como um poder subalterno como pretende Maduro.

Até ao momento nem a tão prometida Lei da Amnistia a presos políticos conseguiu passar.

LLG: Passou na Assembleia, mas foi travada pelas marionetes do Supremo Tribunal. Porque não podemos esquecer que foram nomeados já depois de perderem as eleições para a Assembleia, o Parlamento cessante nomeou 12 magistrados de forma ilegal, que não são magistrados são marionetes. E o que fazem essas marionetes é obedecer ao chefe do circo, que é o senhor Maduro.

E o Exército, também é formado por marionetes de Maduro?

LLG: Um oficial venezuelano quando se torna oficial faz um juramento onde promete defender a Constituição. Se essa gente honrar o seu juramento não defenderá Maduro com ele a violar a Constituição.

Acreditam que o referendo revogatório será realizado?

LLG: Acredito, é impossível que a vontade popular continue a ser ignorada.

Mas parece que estão a tentar adiá-lo para 2017, porque a Constituição prevê que na segunda metade do mandato o presidente derrubado seja substituído pelo vice.

LLG: Bom, Golias também queria ganhar a David… e apesar de tudo David venceu.

Então será ainda em 2016?

LLG: Devia ser… não é assim tão difícil. Quando a Chávez lhe interessava fazer eleições – e fez muitíssimas, passávamos a vida em eleições – nessa altura não havia problema em convocar eleições. Porque razão agora os mesmos técnicos, as mesmas instituições criam tantos obstáculos para o revogatório? Porque não existiam antes?

E se for realizado, terá os votos necessários para derrubar Maduro?

LLG: Se Maduro não tivesse medo de perder, não tinha problemas em convocar o revogatório para amanhã. Se não permite que seja convocado é porque sabe que o vai perder.

MC: Tem que se fazer este ano. E se o governo faz tudo o possível para que não seja realizado é porque sabe que será como em dezembro, quando ganhámos a Assembleia Nacional de forma tão bonita, contra toda a propaganda e contra todo o aparelho estatal, ganhámos e de forma pacífica, como somos.

O seu filho, Leopoldo López, disse em entrevista ao “El Mundo” que o seu neto deu os primeiros passos na prisão onde fora visitá-lo. Como a família viveu esse episódio?

LLG: Sim… deu os primeiros passos. Já tinha ano e meio e ainda não sabia caminhar e de repente levantou-se pela primeira vez e deu três ou quatro passitos, quando estávamos todos nos calabouços. Foi muito emocionante.

Acredita que Leopoldo pode voltar a juntar-se à família ainda este ano?

LLG: Não sei, a verdade é que devia ser já amanhã.

E o que nos pode contar do livro que ele conseguiu publicar da prisão – “Preso mas livre”?

LLG: É um livro que pode ser lido por qualquer pessoa, mesmo que não conheça a política venezuelana. Porque é um livro de valores universais, sobre o que significa a prisão para um ser humano. O que esse ser pode fazer desde o seu íntimo, do seu próprio intelecto, para sentir-se livre embora esteja preso. Não é necessariamente um livro político, mas claro que tem algumas ideias políticas.

Leopoldo continua a dizer o que disse quando se entregou às autoridades: que a sua detenção valerá a pena. Partilham essa ideia?

LLG: Estou convencido de que a sua detenção valeu a pena desde o primeiro dia, estamos aqui, o mundo conhece o problema, a tragédia venezuelana, graças ao sacrifício que fez o meu filho e à estupidez da justiça venezuelana.

MC: Não concordo, acho que a existência de presos políticos é desumanização absoluta. Não era necessário deixar Caracas órfã do seu autarca (António Ledezma), um homem que foi absolutamente limpo em toda a sua carreira política. Não percebo como pode valer a pena ter um sistema em que cada político que faz sombra ao poder instalado fica sob ameaça de morte ou de prisão. Não creio que seja natural.

Os vossos familiares ainda vão tempo de desempenhar um papel?

MC: António é um homem que tem apenas 61 anos e com uma carreira política muito preenchida, que já ocupou muitos cargos. Se não fosse apto o governo não o perseguia desta maneira. Penso que está suficientemente preparado, como muitos outros líderes políticos, para desempenhar o papel que a Venezuela lhe queira entregar. Além de António, há Leopoldo, há María Corina Machado, que é uma mulher espetacular e que é impossível imaginar um futuro político da Venezuela sem ela. Temos ainda Henrique Capriles… muitos líderes que poderão dar a cara quando o momento chegar.

Vieram a Portugal denunciar a situação venezuelana. O que pensam que o país pode fazer, assim como Espanha e a própria Europa?

LLG: Venezuela é um país que abriu os braços à Europa, fundamentalmente a Espanha, Portugal e Itália. Quando a Venezuela podia ajudar essas pessoas que necessitavam, soubemos ser a sua pátria-mãe. E quando chega a hora dos filhos ajudarem a mãe, era bom que não se esquecessem dela.

E acredita que se estão a esquecer?

LLG: Quando vemos o entusiasmo e o vigor do deputado José Inácio Faria, assim como outros políticos espanhóis, acreditamos que não. Mas é necessário que esse sentimento se alastre.

Como observam a situação do Brasil?

LLG: Brasil é um magnífico exemplo neste momento, porque conseguiu – e não vou julgar se está bem ou mal feito, porque não conheço os detalhes das razões que levaram à votação. Mas o que vejo é que é um processo absolutamente institucional, que respeita a Constituição. Se ela dá esse poder ao Congresso e ao Senado e se eles o exerceram, a presidente teve de reconhecê-lo e teve de renunciar. E isso é admirável.

nuno.e.lima@sol.pt