Se havia coisa que Diogo Gaspar sempre disse não querer fazer na vida era desiludir o pai. Nas conversas com amigos, o diretor afastado do Museu da Presidência da República referia-se ao antigo médico do Serviço Nacional de Saúde como uma espécie de autoridade moral. Não que não respeitasse a mãe – aliás, sofreu muito com a sua morte, no ano passado – mas o pai foi sempre a figura que mais respeitou. E eles sempre tiveram um grande orgulho em si.
As suspeitas de desvio de património do Museu que dirigia, que surgiram na última semana, caíram como uma bomba. «O pai deve ter ficado devastado ao ver o filho, de que tanto se orgulhava, assim nos jornais», contaram ao SOL amigos de Diogo Gaspar. Mas não só o pai, os seus três irmãos também – dois são docentes universitários e a irmã decidiu seguir os passos do pai e trabalha na área da Saúde.
Diogo Gaspar não é uma figura consensual. É adorado por muitos, mas também são muitos os que não o veem com bons olhos. «Ele acha que provoca muita inveja, que incomoda os medíocres», revela quem melhor o conhece: «Gosta de marcar a sua posição».
A chegada ao museu vindo da Torre do Tombo
No início dos anos 2000, começava-se a desenhar o futuro Museu da Presidência e a primeira pessoa a ser convidada para pensar o espaço foi Paulo Henriques, diretor do Museu Nacional do Azulejo. Mas as coisas acabaram por não correr como o esperado e Paulo Henriques decidiu bater com a porta.
Ao SOL, várias fontes contactadas garantem que foi a partir daí que Diogo Gaspar entrou na equação. O assessor para os assuntos culturais de Jorge Sampaio, José Manuel dos Santos, tinha boa impressão de um jovem licenciado em História de Arte e pós-graduado em Arquivo com quem se tinha cruzado profissionalmente. Na altura o ‘jovem’ Diogo Gaspar estava na Torre do Tombo. José Manuel dos Santos e Gaspar conheceram-se quando este último decidiu fazer uma exposição e pedir à Presidência algumas peças emprestadas.
Com a vaga deixada por Paulo Henriques por preencher, o assessor para os assuntos culturais do então Presidente da República foi falar com a diretora da Torre do Tombo para que ela cedesse Diogo Gaspar em part-time. O pedido foi aceite.
Diversas fontes de Belém recordam que a instalação do museu demorou muito tempo, alguns apontam mesmo para dois anos. «O Diogo Gaspar e o José Manuel dos Santos tiveram inclusivamente de ir ter com as famílias de todos os Presidentes vivos e mortos para conseguir reunir o espólio do museu, porque não havia quase nada», sublinham.
Muitos dizem que foi nesse período que se começou a desenhar a hipótese de Diogo Gaspar vir a ser o diretor da instituição, mas há quem defenda que não. «Quando o museu foi oficializado, foi aberto o lugar de diretor, que corresponde a diretor de serviços. Nessa altura foi aberto um concurso público», defende quem esteve envolvido no processo.
José Manuel dos Santos fez parte do júri que decidiu escolher Diogo Gaspar para a direção do então recém-criado Museu da Presidência da República. E de fora ficou a equipa de historiadores que até aí o acompanhara na instalação do museu e de que faziam parte António Costa Pinto e Maria Inácia Rezola.
O museu ficava assim sem consultores, ao contrário do que acontece com outros.
As amizades e as atitudes expansivas
No seu núcleo mais próximo, Diogo Gaspar é considerado uma pessoa com muitos amigos, que gosta de incentivar os mais novos, mas também é visto como alguém teimoso, que tem uma grande ambição profissional. A aproximação a José Manuel dos Santos não apanhou, por isso, ninguém de surpresa: «Ele fez amigos em todos os locais por onde passou. Na escola, na faculdade, na Torre do Tombo… E também fez sempre inimigos, pessoas que não o suportavam».
E das amizades que fez foi com Paulo Duarte, um estagiário que entrou para o museu para a área do restauro. A relação evoluiu e Paulo Duarte saiu do museu, criando uma empresa que viria a ser contratada para fazer o restauro não só das instalações do museu em Belém, como as da Cidadela de Cascais, onde pernoitam os convidados dos chefes de Estado portugueses.
Esta é a empresa que está agora a ser passada a pente fino pelos investigadores por suspeitas de favorecimento, mas Diogo Gaspar não gosta de ver nas notícias que Paulo Gaspar é seu namorado.
«O Diogo nunca apresentou socialmente Paulo Duarte como sendo seu namorado por razões que ele deve saber e por isso não é agradável», conta um amigo em declarações ao SOL.
Uma coisa é certa para a investigação: ambos tinham uma relação muito próxima, sendo que 0Paulo Duarte saiu do museu e criou uma empresa que acabou por ser contratada para a manutenção e restauro de instalações do museu.
A culpa é também de quem adjudica, dizem os amigos
Pessoas próximas de Diogo Gaspar admitem que talvez não tenha sido muito correto contratar uma sociedade com ligações ao diretor do museu, mas atacam sobretudo quem fez essas adjudicações.
«Há uma hierarquia administrativa clara e formal e o Diogo não tinha autonomia para fazer nada sem a autorização quer do secretário-geral da Presidência (que dá a aprovação em termos financeiros), quer do Conselho de Administração. Não é o diretor que paga e nada é pago se não houver um processo claro», contestam, questionando como é que Diogo Gaspar poder ser o único suspeito neste caso.
Em todos os contactos feitos, mesmo os que não põem as mãos no fogo por Diogo Gaspar criticam a forma como a investigação está a ser conduzida, apontando em alguns casos a hipótese de tudo isto se tratar de uma vingança pessoal.
Mas não terá sido apenas Paulo Duarte quem Gaspar acabou por beneficiar. Para o Museu terá levado um primo e várias pessoas que com ele tinham trabalhado na Torre do Tombo.
Desde que foi colocado em liberdade provisória – mediante o pagamento de uma caução de 50 mil euros e suspenso de funções – Diogo Gaspar já ligou para vários amigos e falou com o pai. Quis descansá-los e disse-lhes que não tinha praticados os factos pelos quais está indiciado.
Mas a investigação está cada vez mais longe de acreditar nisso, tendo em conta a apreensão de diversos móveis e obras de arte na sua casa do Restelo, e sobretudo na de Portalegre – a casa da família materna de que tanto gosta, pelo seu jardim interior.