“Até hoje fui sempre futuro”

E, realmente, muitas vezes sentimo-nos assim e gostaríamos de mudar o rumo das nossas vidas. Mas, muitas vezes, falta-nos a coragem, a vontade ou a força para fazê-lo.

Este verso de Almada Negreiros, em “Rosa dos Ventos”, encontra-se na estação de metro de São Sebastião, em Lisboa. Aliás, esta estação tem várias frases deste artista, mas esta, pelo seu conteúdo e localização, poderá não suscitar a atenção de quem passa exclusivamente com a intenção de utilizar aquele meio de transporte.

Se interpretarmos a frase em abstrato, o facto de alguém afirmar que “até hoje fui sempre futuro” significa que se sente no fim da sua vida real / imaginada, e que antes sentia ter a possibilidade de um futuro diferente, de poder vir a ser sempre outro e novo. Significa que, no momento em que sente chegar o fim da vida, se apercebe de já não haver futuro à frente, de não poder mudar a vida nem encará-la de outra forma.

Mas, se considerarmos este verso no poema em que se insere, somos levados a pensar que o sujeito poético foi capaz de romper com a linha de continuidade que o prendia a um passado, e conclui: “Agora chego a cada instante pela primeira vez à vida / já não sou um caso pessoal / mas sim a própria pessoa”. Trata-se de alguém que abandonou os seus sonhos de futuro, e se entregou ao presente, a vivê-lo tal como a vida lho traz, buscando a felicidade, não na nostalgia do passado ou nos anseios do futuro, mas, antes, no momento presente, naquele que, como a própria palavra indica, é um presente que a vida quotidianamente lhe dá.

Alguém que afirma “até hoje fui sempre futuro” pode ser, pois, alguém que nunca viveu o presente, que nunca aproveitou o que a vida lhe trouxe todos os dias, antes se sentindo sempre insatisfeito e procurando, no futuro, algo melhor, algo que contribuísse mais para a sua felicidade, numa incessante busca, sem fim. Como na canção, tão conhecida, de António Variações, “estou bem onde não estou”…

E, realmente, muitas vezes sentimo-nos assim e gostaríamos de mudar o rumo das nossas vidas. Mas, muitas vezes, falta-nos a coragem, a vontade ou a força para fazê-lo.

O que será, então, que faz com que nos apercebamos de que não vivemos realmente no tempo presente, de que estamos presos ao passado, às memórias que guardamos de momentos felizes, tristes, ou simplesmente marcantes? O que será que contribui para chegarmos à conclusão de que vivemos sempre muito insatisfeitos, em busca de algo que não está a acontecer, mas, exatamente por isso, imaginamos que será muito melhor; ficando reféns do futuro, de um futuro que nunca chega, porque existe apenas dentro do nosso pensamento?

Talvez seja por isso que, por vezes, pensamos muito, imaginamos muito, mas acabamos por, na realidade, não viver, não existir plenamente…

 

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services