Chris Froome. O hacker que invadiu o Tour

Quando tinha 21 anos fez-se passar pelo presidente da federação  do Quénia para trocar África pela Europa. Essa prosopopeia  mudou-lhe a vida para sempre. Agora, aos 31, alcançou  a terceira vitória na mítica Volta à França e fez o que poucos conseguiram

Em 2006, Chris Froome não resistiu à tentação e entrou no email de Julius Mwangi, o presidente da federação queniana de ciclismo. Era uma oportunidade única e não podia desperdiçar a hipótese de trocar o Quénia, país onde nasceu e cresceu, pela Europa e tentar a sorte no ciclismo profissional. Chris tinha 21 anos e não hesitou. No computador, enviou uma curta carta à UCI (União Internacional do Ciclismo) e pediu a inscrição nos Mundiais desse outono de “um dos mais promissores ciclistas sub-23 do país”, como escreveu sobre si mesmo. Esse gesto audaz mudou-lhe a vida para sempre. A história conta-a o próprio Chris Froome na sua autobiografia “The Climb”, lançada quando venceu o Tour o ano passado. Agora, voltou a conquistar a Volta à França, pela terceira vez, feito que apenas oito ciclistas conseguiram. Há apenas dez anos estava a enviar o seu CV em nome de outra pessoa depois de ter sido várias vezes rejeitado quando utilizava a sua conta. “Respondiam-me sempre, ‘Have you done any races in Europe, sonny?’ (”Correste alguma vez na Europa, rapaz?)”. Foram as várias recusas aos seus pedidos que o levaram à conta de email de Mwangi. No Cairo, durante a participação no Tour do Egipto, o presidente da federação pediu-lhe ajuda numas tarefas administrativas e deu-lhe o username e a password, recorda num dos capítulos do livro.

Achei estranho ele dar-me essa informação, mas apesar da singularidade da ocasião sentei-me e enviei os emails que ele me tinha pedido. Mas depois no Egipto e em Melbourne tive uma ideia. 

Já tinha enviado o meu CV a várias equipas na Europa, duas páginas que incluíam os meus resultados em todas as corridas que tinha participado em África, juntamente com fotografias.

Achei fantástico, mas as poucas respostas que tive perguntavam-se sempre se já tinha competido na Europa”, conta, lembrando que se conseguisse participar nos Mundiais de sub-23 em Salzburgo – que eram “de certeza na Europa” – seria um salto de gigante para me tornar profissional. “As coisas não estavam bem na federação e pedir-lhes para me inscreverem e financiarem seria um desperdício de tempo”. “Sentei-me em frente ao computador e entrei com a morada de email da federação, utilizei o nome de Julius Mwangi e escrevi que gostava que Christopher Froome, “one of my country’s most promising Under-23 riders” participasse. “Thank you”, terminou. Resultou e voou até Salzburgo, na Ásutria.

Não ganhou a prova – ficou em 36.º na corrida e 45.º na estrada, resultados satisfatórios para uma estreia – e, o mais importante, deu-se a conhecer.  

A Ordem do Império Britânico

Esta não foi a única medida extrema que Chris foi obrigado a tomar.

Quando os pais se separaram no Quénia e viu os dois únicos irmãos, mais velhos, irem para Inglaterra para uma escola de râguebi, ele ficou com a mãe Jane em Nairobi enquanto o pai Clive foi para a África do Sul. Com pouco dinheiro, Jane não conseguia sequer oferecer uma bicicleta ao filho – mas isso também não foi problema, pediu uma emprestada a um professor. E foi aí que tudo começou, até à participação numa corrida quando tinha 13 anos: venceu a prova. Por sorte, o queniano David Kinjah, o primeiro ciclista negro a assinar por uma equipa europeia, estava lá e Jane (percebemos agora a audácia de Chris) intercedeu pelo filho. “Sou a Jane Froome, este é o meu filho Chris.

Ele gosta de bicicletas mas eu não percebo nada e sinto que estou a impedi-lo de se divertir. Ele precisa de alguma coisa para extravasar a energia e acha-o um fenómeno. Pode ajudá-lo?”, recordou há três anos Kinjah a conversa que teve com Jane. Kinjah tornou-se treinador de Chris enquanto este estudava em Nairobi, depois dois anos na África do Sul e mais tarde em economia na Universidade de Joanesburgo. Depois da aventura em Salzburgo em 2006, Chris tornar-se-ia profissional um ano depois, com 22 anos, na equipa Konica-Minolta antes de se juntar à Barloworld e ficar de vez na Europa. Lutou até se consagrar na prova mais importante do ciclismo – entrou numa dieta rigorosa, quando se tornou profissional em 2007 pesava 76 quilos, largou os hidratos de carbono e passou para a proteína, emagreceu quase dez quilos. Chegou a França mais leve e venceu três dos últimos quatro Tour 2013, 2015 e 2016. Estar mais leve permite-lhe atacar melhor as subidas, especialmente as montanhas.

“O seu sucesso está ligado à imensa perda de peso, que ajuda a explicar a evolução em estrada e também em montanha”, escreveu o jornalista especialista em ciclismo do Guardian William Fotheringham. Aliado à falta de peso está o excepcional VO2 – 88.2 – um indicador-chave do desempenho do atleta que mede a capacidade máxima de oxigénio que consegue utilizar. “A generalidade das pessoas tem o VO2 entre os 35 e os 40 e atletas com muito treino podem chegar aos 50 ou 60”, diz a AFP. “Os vlaores de Froome estão no máximo no que diz respeito ao pico humano de VO2”. Tudo isto ajudou Chris a ascender ao sucesso e à fama – e a passar dos 22500 euros na Barloworld para os 5 milhões na Sky.

Agora vive no Mónaco e, no pouco tempo livre que tem quando não há provas, “treina sete horas por dia”, conta a mulher Michelle Cound, a sul-africana que conheceu em 2009. Mudaram-se para o principado em 2001, ficaram noivos em 2013 e casaram-se em 2014. Há um ano tiveram um filho, Kellan. Este ano foi agraciado com a Ordem do Império Britânico (OBE) pelos serviços extraordinários alcançados no ciclismo. A medalha que o príncipe William lhe entregou no Palácio de Buckingham foi também da recompensa de uma carreira já brilhante mas que ainda não acabou. E tudo começou naquele botão “send” do email de Mwangi.