Porque não há meios aéreos na Madeira?

Estudos feitos no passado indicam dificuldades de operar aviões ou helicópteros numa região montanhosa e ventosa como a Madeira. Bombeiros garantem que essa solução seria possível e há quem lembre o exemplo das Canárias. Miguel Alburquerque pede novo relatório.

Porque não há meios aéreos na Madeira?

Portugal tem este ano um dispositivo de combate a fogos com um total de 47 meios aéreos, incluindo três helicópteros Kamov, mas nenhum destes aparelhos está na Madeira. Os estudos técnicos não são consensuais sobre se helicópteros ou aviões seriam úteis num território montanhoso e ventoso como a Madeira, e a questão é polémica. Há quem aponte o exemplo das Canárias, um arquipélago com um relevo semelhante ao da Madeira onde os fogos violentos também são combatidos por via áerea.

A inexistência de meios aéreos de combate a incêndios na Madeira foi alvo de críticas do presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais (ANBP), Fernando Curto, que garante que essa solução seria possível do ponto de vista técnico, mesmo tendo custos mais elevados.

«Na Madeira não há meios aéreos porque o anterior governo regional entendia que não eram necessários ou porque havia situações climatéricas que não permitiam que os helicópteros médios ou pesados ou mesmo os Canadair pudessem atuar. A ANBP contrariou sempre essa tese mas, como é lógico, limitamo-nos a contrariar», afirmou Fernando Curto. 

O responsável explicou que, tal como noutras ocasiões no passado, o incêndio que deflagrou na Madeira esta segunda–feira teve início numa zona de difícil acesso. Fernando Curto frisa que os bombeiros não conseguem chegar àquela zona, pelo que seria «mais fácil e proveitoso» acionar os meios aéreos. 

O dirigente da ANBP lembra que, nas discussões com o anterior governo, um dos entraves colocados aos meios aéreos eram a situação geográfica e os ventos na Madeira, que não permitiam que esses meios atuassem. «Não é verdade porque, quando há esse problema, os aviões também não aterram na Madeira. Na altura provámos e justificámos até ao próprio governo que era um erro não se usarem os meios aéreos, mas era uma opção política, e o governo nunca optou por ter meios aéreos na Região Autónoma da Madeira», explicou. «A questão que se coloca aqui é se o governo quer ou não investir nisso», sublinhou. 

Estudos ‘contraditórios’

A ANBP sugeriu então que um helicóptero médio polivalente estivesse alocado à região, preparado para uma primeira intervenção rápida no combate a incêndios, mas também em ocorrências de saúde e situações de emergência. 

Confrontado com a polémica da ausência de meios aéreos na ilha, o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, decidiu pedir um novo estudo sobre a possibilidade de utilização de meios aéreos no combate a incêndios na região autónoma. «Há muitos anos que se discute se a Madeira deve ter ou não meios aéreos de combate aos fogos. Há um conjunto de pareceres contraditórios sobre a matéria», justificou.

O chefe do Governo Regional lembrou que um dos relatórios já feitos sobre a matéria indica que a atuação dos meios aéreos seria «muito condicionada, devido à natureza dos ventos e dos vales». Outro «desaconselhava» este recurso, dada a «relação custo-benefício ser completamente desproporcionada».

Um dos relatórios sobre o combate aos incêndios na Madeira foi feito em 2013, na sequência de uma vaga de fogos na região. Um estudo da Proteção Civil Municipal, remetido ao Ministério da Administração Interna, então liderado por Miguel Macedo, alertou para a «grande dificuldade no combate» aos fogos, defendendo um reforço de meios – embora sem especificar aviões ou helicópteros. 

O relatório indicava dificuldades particulares nas serras de Santo António, São Roque e Monte, «devido à falta de acessibilidades». Nas zonas altas do concelho do Funchal, o documento apontava também que a utilização de determinados meios de combate «tornou-se muito difícil», já que os carros de socorro terrestres ultrapassavam as dimensões de diversas acessibilidades. 

O relatório defendia um reforço de meios, com a aquisição de meios de combate ligeiros para as duas corporações do Funchal, a necessidade de mais formação das corporações, a criação de equipas de primeira intervenção e a construção de mais acessibilidades com pontos de água para abastecimento. Sobre meios aéreos, o documento era omisso. 

O exemplo das Canárias

Quem defende a presença de meios aéreos na Madeira dá o exemplo de um arquipélago em tudo semelhante à Madeira: situa-se no Atlântico, tem uma orografia muito similar e até a ocupação principal é a mesma – o turismo.  

E até na desgraça dos fogos estas ilhas são parecidas. Na semana passada, um incêndio na ilha de La Palma obrigou ao resgate de 3500 pessoas, relatava a imprensa espanhola. O fogo, recentemente extinto, obrigou ainda à evacuação de três aldeias e deixou milhares de desalojados. O El Mundo noticiou que ardeu 6,8% da superfície total da ilha.  

No combate às chamas, os 350 bombeiros chamados à operação tiveram de lutar com temperaturas acima dos 40 graus – mais uma semelhança com o Funchal. «As altas temperaturas, a densa vegetação e o terreno com difícil acesso complicaram os esforços para extinguir as chamas», explicou a ministra interina da Agricultura e Ambiente, Isabel García Tejerina. 

Há, no entanto, algo em que as ilhas divergem: só no fogo da La Palma foram usados 12 meios aéreos. E foram efetuadas «mais de mil descargas de água na zona afetada», segundo o El Mundo.  

Nos próximos dias, também aqui será necessário cuidado acrescido devido ao calor – a Gran Canaria está sob aviso amarelo e pode chegar aos 39 graus – e, no restante arquipélago, o alerta é amarelo, com temperaturas máximas previstas de 34 graus. Por isso, a conselheira de Política Territorial, Sustentabilidade e Segurança do Governo Regional das Canárias, Nieves Lady Barreto, já veio pedir cuidado extra: «Há que continuar a trabalhar».

Um agente florestal já morreu na sequência deste fogo, que terá sido provocado «de forma acidental» por um alemão de 27 anos. O homem, entretanto detido sob acusação de ter iniciado um fogo florestal por negligência, terá incendiado papel higiénico após ter defecado numa zona de mato seco, informou a Guarda Civil em comunicado.