“Não sei. Falta-me um sentido, um tacto”

Este primeiro verso de um poema de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa remete para a inadequação que algumas pessoas sentem constantemente, outras sentem em alguns momentos, e outras não chegam a sentir, e que é uma falta de tato para gerir a própria vida, para aceitá-la, tentando adequá-la aos objetivos e moldá-la como um pedaço do…

Este primeiro verso de um poema de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa remete para a inadequação que algumas pessoas sentem constantemente, outras sentem em alguns momentos, e outras não chegam a sentir, e que é uma falta de tato para gerir a própria vida, para aceitá-la, tentando adequá-la aos objetivos e moldá-la como um pedaço do barro de que somos feitos.

As pessoas com este sentimento de desadequação, de falta de sentido para a vida (“oco de mim” diz o poeta) acabam, muitas vezes, por procurar aquele sentido fora delas próprias, em inebriantes e anestesiantes experiências que mais acentuam o vazio que sentem e não conseguem preencher. Tornam-se vidas, momentânea ou definitivamente, erráticas, que se desenrolam num plano paralelo ao da própria existência, assistindo a elas, como espetadores, os seus próprios autores.

Muitas vezes, este sentimento de hipersensibilidade é canalizado para a arte, para a pintura, para o cinema, para a escultura, para a música, para a escrita. E as obras artísticas, ao tentarem dar um sentido ou expressão ao Eu interior, ajudam os outros, os que verdadeiramente são espetadores, a dar sentido à própria vida.

É talvez esse um dos profundos sentidos da arte – para além do sentido primeiro: o de dar beleza à vida –, o de comunicar com outras pessoas, de lhes transmitir uma ideia (mesmo que seja a de vazio, a de inexistência de ideias), de lhes dar pistas, indicar caminhos, sugerir atalhos para compreenderem o mundo e se compreenderem a si mesmas.

E, para nos compreendermos e aceitarmos é, por vezes, necessário fazer o que Fernando Teixeira de Andrade nos sugere: abandonar “as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo” e vestir novas roupagens, que, no início, podem ser incómodas, mas, exatamente por isso, nos podem levar a questionar os nossos hábitos. Ou, como escrevia recentemente, na sua crónica no Jornal de Letras, Valter Hugo Mãe: “Viajo porque me fica a alma a meio (…). Fugir talvez tão completamente que se proporcione a oportunidade de não ser mais eu, mais outro”.

É este sentimento de falta, de que fala Pessoa, que nos leva, por vezes, a fugir, na esperança de nos tornarmos outros. Porque, efetivamente, é muito difícil compreendermo-nos a nós próprios e, mais difícil ainda, aceitarmos como nossas algumas características que não quereríamos ter.

E será que sabemos mesmo quem somos?