A mecânica que falhou na laranja

Por esta altura, há dois anos, a Holanda só caíra na final do Mundial da África do Sul aos pés de uma Espanha quase imparável, em pleno ciclo de conquistas. Ontem, quase a mesma selecção de jogadores foi derrotada por Portugal e despediu-se do Europeu só com derrotas, zero pontos e apenas dois golos marcados.…

as expectativas justificavam-se. na fase de qualificação,
foi da holanda o melhor ataque, com 37 golos, assentes nos 12 de klaas-jan
huntelaar e nos seis de robin van persie, ambos com mais de 30 golos que
traziam atrelados de uma época que lhes foi prolífera nos seus clubes. aos seus
nomes juntaram-se outros como wesley sneijder, rafael van der vaart ou arjen
robben, um trio suficiente para acrescentar temor aos seus adversários.

para o campo, porém, traduziu-se a desorganização e
divergências que imperavam fora dele.

«a incerteza surgiu no jogo com a dinamarca, e não
desapareceu», diria bert van marwijk, o seleccionador que não conseguiu formar
uma coesão no jogo holandês. coesão e eficácia. nesse encontro inaugural diante
dos dinamarqueses, a equipa enviou 27 bolas com destino à baliza, mas apenas
oito remates lá chegaram.

no relvado, o desperdício de oportunidades de golos foi uma
das razões para o fracasso holandês. a outra, quiçá a mais importante, foi a falta
de coesão. olhando para as três partidas, chamar equipa à selecção holandesa é
algo lisonjeador. a mecânica que, com os anos, a holanda foi juntando à sua
alcunha, só se via (e poucas vezes) a nível individual.

a defender, a equipa partia-se facilmente. a dupla de médios
formada por nigel de jong e mark van bommel, que actuou nos dois primeiros
jogos, era insuficiente a defender e estática a atacar.

a defender, a holanda já sabia que iria enfrentar equipas com
extremos rápidos nas alas. tanto contra portugal, alemanha ou dinamarca, os
defesas laterais holandeses depararam-se com situações de 1 contra 2, e tinham
portanto que ser apoiados e compensados por um colega. essa ajuda devia chegar
do jogador com quem partilhavam a ala, mas o problema surgiu com arjen robben e
ibrahim afellay. os extremos holandeses não defenderam e obrigaram quase sempre
que fosse um dos dois médios centro a ter que ir fechar espaços a uma ala.

ora aí, abriam-se espaços no meio, e cavavam ainda mais
buracos na equipa. os dois extremos, o avançado, robin van persie e sneijder, o
médio ofensivo, só defendiam perto da área adversária, e uma vez ultrapassada
essa pressão, o adversário tinha sempre vários metros de espaço livre por
percorrer, já que de jong e van bommel ficavam colados à linha de quatro
defesas. a atacar, este par de médios também pouco ajudavam à dinâmica da
equipa, e só a entrada de van der vaart ajudava neste ponto. mas piorava ainda
mais quando a equipa tinha que defender, como se viu contra portugal.

robben, na direita, tornou-se demasiado previsível com a sua
insistência em correr e driblar para o meio, à procura do seu pé esquerdo. do
outro lado, afellay chegou em má forma ao europeu, e somou aqui mais minutos do
que os que juntara durante a época no barcelona. van persie, na frente, não foi
tão eficaz como no arsenal, e terá sido afectado pelos problemas fora do campo,
alegadamente criados por huntelaar, que não gostou de ver, a si e aos mais de
30 golos que marcou, a serem relegados para o banco de suplentes.

e esse não foi o único assunto badalado que ajudou a construir a polémica em torno da selecção holandesa. os jornais começaram a questionar a titularidade de van bommel, por ser genro do seleccionador, e não pouparam críticas a van marwijk quando este respondeu mal e discutiu com jornalistas numa conferência de imprensa.

«não precisamos de ser todos amigos para vencer», chegou a
dizer sneijder. a sua frase não será descabida, mas para vencer é necessária uma
equipa, coesa, unida e estável tanto a atacar como a defender, e não um conjunto
de jogadores que, em campo, quase só criavam situações de perigo para a baliza
adversária quando um holandês, sozinho, conseguia um rasgo esporádico de
inspiração.

a mecânica nunca
chegou a estar no europeu, e o que se viu foi uma laranja sem inspiração, desorganizada e sem um punho de liderança.
chegou com o título de vice-campeã mundial e com o mais experiente lote de
convocados – em média, totalizavam 42 internacionalizações -, mas sai de
cabisbaixo e sem que se tenha ouvido um grito de revolta que, pelo menos,
tentasse reanimar um motor que tanto sumo tinha para espremer. 

diogo.pombo@sol.pt