Tapar ou destapar, eis a questão

Figuras contactadas pelo SOL defendem que o Estado não deve intrometer-se no modo de vestir das pessoas, a não ser que estejam em causa valores como a segurança e a identificação

Tapar ou destapar, eis a questão

A polémica dos burquínis está longe de estar terminada. A proibição do uso desta indumentária, onde as mulheres ficam com o corpo todo tapado, à exceção das mãos, dos pés e da cara, em várias localidades no sul de França, provocou uma onda de indignação a nível mundial. 

Depois do Conselho de Estado francês ter suspendido o veto ao uso do burquíni em Villeneuve-Loubet, na quinta-feira um tribunal de Nice tomou a mesma decisão, referindo que o atentado no passado 14 de julho na cidade não justifica esta proibição.

"O que aconteceu é lamentável e é uma vergonha para a Europa e para a França”, afirma o deputado do PSD Duarte Marques. “É um atentado completo à liberdade e um disparate monumental».

Sérgio Sousa Pinto partilha da mesma opinião. «O Estado não tem o direito de se intrometer na forma como um indivíduo se entende apresentar na praia, a menos que se ponha em causa situações como segurança, o que não é o caso. Isto é uma violação de direitos individuais», diz o socialista. 

A bloquista Sandra Cunha fala numa «discriminação grosseira das liberdades e direitos de cada um». «Esta justificação de que os presidentes da câmara têm dado de que existe perigo para a ordem pública não é comprovado e é querer condicionar a opinião pública colando as mulheres muçulmanas que usam burquíni ao terrorismo», diz ainda a deputada e membro da Subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação.

Para Duarte Marques, a proibição do uso dos burquínis equipara-se às atitudes dos talibãs, que obrigam, por exemplo, as mulheres a andarem todas cobertas e os homens a usarem barba. 

«Então e as mulheres que vão de lenço na cabeça como ia a minha avó ou os mergulhadores que vão de fato de mergulho para praia com o corpo todo tapado?», questiona Duarte Marques.

Contexto sociológico
José Miguel Júdice, que estava de férias em França quando rebentou o escândalo, recorda o tempo em que, em Portugal, existiam regras quanto àquilo que se podia usar ou não na praia – na altura, punha-se em causa o biquíni. 

Ainda assim, ressalva que é preciso não esquecer o contexto sociológico que se vive atualmente no país. «É muito fácil criticar os outros quando não estamos a viver os problemas que eles vivem. Em França, há uma reação justificada, ainda que excessiva – e por isso perde a justificação – perante os atentados. As pessoas estão muito traumatizadas e, nessa medida, estão muito reativas. Há que compreender isso do ponto de vista sociológico, mas do ponto de vista jurídico entendo que o Estado não tem de se meter com os fatos de banho», explica o magistrado. 

Carlos Zorrinho, que fala do burquíni como uma «opção de vestuário», destaca a necessidade de diálogo entre as várias comunidades em França, mas relembra a questão das eleições no país, que se aproximam de dia para dia. «Parte deste debate justifica-se com o aproximar das eleições francesas. Espero que os políticos não sejam populistas e que não digam aquilo que acham que os eleitores querem ouvir para conquistar votos, mas que proponham aquilo que a médio prazo é melhor. A crispação e a fratura não é o melhor para o futuro da sociedade francesa», afirma o eurodeputado socialista.

Uma provocação?
A verdade é que o ex-presidente francês e candidato às futuras eleições considerou o burquíni uma «provocação» associada ao radicalismo islâmico. Sakozy afirmou mesmo que alteraria a Constituição francesa para proibir a indumentária.

O mesmo afirma o coronel e escritor Carlos Matos Gomes. «A provocação da mulher de burca na praia de Nice é uma tentativa de reintroduzir o domínio do religioso na sociedade civil. E isso é intolerável», lê-se numa publicação feita na sua página de Facebook, referindo-se ao caso dos polícias franceses terem obrigado uma mulher a despir-se na praia. José Miguel Júdice, porém, ressalva a normalidade destas ditas provocações. «A provocação faz parte da vida política e pública portanto onde chegaríamos se todas as provocações levassem a reações com este excesso?».

Para Ana Rita Bessa, estar a obrigar uma mulher a despir-se na praia só aumenta o mal-estar já existente. «No limite, o que isso faz é acicatar ainda mais diferença, maiores ódios e tensões numa altura em que já vivemos com algum grau de conflituosidade e preconceito que não queremos alimentar», afirma a deputada centrista e membro da Subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação.

Burca e segurança
O militar de Abril assume ainda a sua «islamofobia»: «A burca e o burquíni das mulheres da praia de Nice é a mesma dos assassinos do Daesh na Síria, no Iraque, em França».

As figuras contactadas pelo SOL, porém, garantem que há uma clara distinção entre a burca e o burquíni, especialmente porque a indumentária de praia não tapa o rosto ao contrário da outra. «A burca levanta considerações de segurança. O Estado tem todo o direito de não aceitar que funcionários públicos, ou seja representantes do Estado, não se conformem com um determinado código de vestir. É uma compressão da liberdade individual que me parece legítima», diz Sérgio Sousa Pinto. 

Ana Rita Bessa refere que a vinda de refugiados para a Europa, é importante antecipar as questões relacionadas com a burca como a segurança e a possibilidade de identificação. «Isso sim constitui um problema em que opõe o valor da liberdade religiosa ao da segurança, que também fundamental», adianta a deputada do CDS, ressalvando a necessidade de medidas por questões de segurança e não de combate religioso para que se consiga reconhecer as pessoas.