Dar de mamar: a mãe é que sabe mas toda a gente opina

A Câmara de Lisboa lançou uma campanha de incentivo ao aleitamento materno, justificada pelos comentários negativos ouvidos pelas mães que o fazem publicamente

Na primeira vez que ligámos à Catarina, ela pediu dez minutos. “Tenho a miúda na mama.” A justificação vinha mais que a propósito, até porque quando se fala de aleitamento, para esta mãe de três, são os filhos que mandam.

“Respeito muito o ritmo deles”, explica ao i, justificando assim o facto de o filho do meio ter mamado até quase aos três anos. Habituou-se a ignorar comentários e olhares, como o que ouviu na semana passada, num restaurante do Príncipe Real. “Estava a dar de mamar à minha filha recém-nascida enquanto um senhor da mesa ao lado fazia comentários negativos sobre isso com as amigas.” 

Relatos como o de Catarina Beato espoletaram em João Afonso a vontade de transformar este gesto em algo “mais natural” para a comunidade. O vereador responsável pelo pelouro dos Direitos Sociais dá a cara por uma campanha que tem como objetivo realçar a importância do aleitamento materno tanto para o bebé como para a mãe. A ação é promovida pelo Agrupamento de Centros de Saúde de Lisboa Ocidental e Oeiras, em colaboração com as autarquias das duas cidades.

No início da semana passada, os lisboetas foram surpreendidos por múpis publicitários com a imagem de uma mulher a amamentar na rua, sob o slogan “Presente Saudável, Futuro Sustentável”. Se na página de Facebook da câmara, a grande maioria das centenas de partilhas e comentários eram de elogio à campanha, em páginas pessoais multiplicava-se a indignação e as reações de surpresa à ligação entre a autarquia e uma campanha a que nos habituámos a ver apenas em paredes de hospitais. Mas para o vereador, não há nada mais natural. “Se se constroem centros de saúde, porque não promover uma boa prática de saúde?”, questiona, sustentando-se nos estudos que ligam o aleitamento materno ao seu papel de “estimulação da musculatura e funções respiratórias do bebé” e que, para a mãe, traz “impacto em termos da involução uterina, estando ainda associado à diminuição do risco de cancro da mama e do ovário.” 

As reações Apesar de os cartazes estarem por toda a cidade, numa campanha acompanhada por distribuição de postais e que vai culminar numa semana dedicada ao tema, em outubro, João Afonso alerta para o facto de se tratar apenas de uma campanha informativa. “Não estamos a obrigar ninguém, estamos, sim, a dizer que o podem fazer à vontade, sem condicionamentos.”

Como defensora e praticante da amamentação em locais públicos – “até já tive que dar no meio da neve”, conta –, Catarina aplaude o empenho da câmara. “É importante chamar a atenção para a naturalidade do gesto”, acredita, lamentando, no entanto, as imagens escolhidas, que “não são muito felizes” e “não ajudam a passar a mensagem da melhor maneira.”

Do outro lado da balança de opiniões está Liliana Sintra, que não é tão contida nas palavras quando a ordem é avaliar esta campanha. “Choca-me que a minha câmara municipal opine sobre uma matéria que tem de ser uma decisão da mulher e da família, e do foro da liberdade individual de cada um.” Liliana considera que esta ação vem pôr “umas mães em posição de superioridade face a outras”, situação com a qual se habituou a lidar assim que tomou a decisão de não amamentar a filha. “Se a minha médica respeitou a decisão, a pressão começou logo com as enfermeiras no dia do parto”, conta. Seguiram-se os amigos, familiares, os defensores da amamentação. “Eu, por acaso, estou-me a borrifar para o facto de me acharem fútil ou egoísta, sou pouco permeável à opinião de estranhos que não respeitem a capacidade de escolha dos outros”, refere. Daí que considere que, com esta campanha, mães menos firmes “fiquem perturbadas por também a câmara, para além de enfermeiras, amigas dos bebés, sogras e sociedade quererem à força provocar-lhes culpa”.

Petição sem resposta Carina Pereira conseguiu aquilo que achava ser impossível: levar a debate na Assembleia uma petição criada por ela e que tem atualmente mais de 33 500 assinaturas. “Licença de maternidade de seis meses, pela saúde dos nossos bebés” é o título do documento em defesa do alargamento da licença para seis meses pagos a 100%.

Foi a partir do momento em que foi mãe, atualmente já em dose dupla, que Carina ficou mais alerta para este tema. Usa o termo “licença de maternidade” – que já é existe em Portugal desde 2009 – e não o faz por acaso. “A licença de parentalidade já existe até aos seis meses, mas isso não ajuda na parte da amamentação e é nesse ponto que me quero focar”, explica ao i. Com esta petição, Carina gostava de ver implementada em Portugal uma licença de seis meses gozada pela mãe e paga na totalidade. 

Para Carina, não há dúvidas quanto às vantagens do aleitamento materno. “Está provado que só traz benefícios e que deve ser opção pelo menos até aos primeiros seis meses de vida”, argumenta. É certo que o leite materno também pode ser dado pelo pai, mas Carina acredita que aí é posto em causa o vínculo entre a mãe a criança.

A votação contra do PS ditou o adiamento de uma decisão que contava com o apoio dos restantes partidos de esquerda. Mesmo assim, Carina ficou satisfeita só de ver o tema ser discutido e, para o futuro, prepara uma iniciativa legislativa de cidadãos junto da Assembleia da República. “Temos de reunir 35 mil assinaturas para propor diretamente uma mudança da lei e é isso que vamos fazer.”