Conversas na prisão: A história feliz do primeiro entrevistado há dez anos

Nuno Dias foi o primeiro entrevistado da rubrica ‘Conversas na Prisão’. Dez anos depois, repetimos a conversa – e temos uma história feliz para contar.

Foi uma das rubricas mais originais do SOL. O conteúdo de «Conversas na prisão» trazia, literalmente, o que o nome prometia: todas as semanas, um recluso falava do passado e de como vivia o dia-a-dia. Ao longo dos meses, o SOL foi traçando um retrato das prisões portuguesas e dos que nelas cumpriam penas pelos mais diversos crimes.

Nuno Delgado Dias foi o primeiro ­ entrevistado. Condenado por dez crimes de furto, três de condução ilegal e um de falsificação, apanhou uma pena pesada: 12 anos. Em 2006, Nuno estava preso há três anos quando acedeu contar a história turbulenta da sua vida, desde o abandono dos pais ao consumo de drogas que o levou ao mundo dos roubos.

Foi fotografado de guitarra em punho. A música foi, aliás, um dos (bons) vícios que apanhou na prisão. Mas houve mais. Dez anos depois, Nuno acedeu falar outra vez com o SOL – e, desta vez, fá-lo com o orgulho de quem virou totalmente a página e, aos 38 anos, tem uma história feliz para contar.

«Saí da prisão em janeiro de 2010 e fui logo tirar a carta», conta enquanto nos vai desfiando com voz animada o que tem feito nos últimos anos. Arranjar emprego também não foi problema. Depois de passar em vários postos, trabalha numa empresa de transportes na zona de Lisboa há três anos. «Fiz questão de contar ao meu patrão o meu passado. Ele percebeu e como sou bom trabalhador não houve problema», diz. Não só não houve problema como é, hoje em dia, um dos braços direitos do dono da empresa e até já recebeu um presente pelo trabalho: uma moto quatro. Ainda assim, diz que se sente olhado de lado devido ao seu passado. «Acho que o preconceito por ter estado na prisão vou sentir sempre. Mas também acho que isso acontece a todas as pessoas que são, por algum motivo, estereotipadas».

Não é só em termos laborais que se tem saído bem. Se a família disfuncional era um fantasmas do passado, o presente está cheio de alegrias neste campo. Casou em 2013 e foi pai em 2014 ­– refere-se à mulher e à filha como as «coisas mais lindas» que tem na vida, «que ama de paixão».

Sobre os tempos que viveu em reclusão, Nuno não tem problema algum em falar. Está habituado, aliás, a ser chamado pelos serviços prisionais para dar o seu testemunho uma vez que entrou na prisão com o quarto ano e saiu com o 12.º quase completo. Passava os tempos livres a aprender música, a estudar e a ir ao ginásio – admite que, hoje em dia, não tem muito tempo para o exercício físico. «Manter-nos ocupados era a principal coisa a fazer para não se perder a sanidade mental», revela. Nuno conta que se apercebeu e admitiu os seus erros «ainda antes de ser preso», mas «estava tão embrenhado no mundo das drogas que não conseguia sair». Fez uma «cura a frio» na prisão. Sem medicamentos, só ele e uma sala onde não havia sequer televisão, Libertou-se. E, por isso, e por tudo o a vida lhe deu, assume que grande parte do seu sucesso deve-se ao facto de «ter lutado» mas também das equipas que encontrou – desde os psicólogos aos técnicos de reinserção social – no meio prisional. «Se olhar para trás posso dizer que a prisão, ou melhor, as pessoas que conheci na prisão e que me ajudaram, salvaram-me a vida». Se o passado já lá vai e o presente é feliz, põe uma gargalhada na voz quando lhe perguntamos o que lhe falta alcançar no futuro: «Ganhar o euromilhões!».