Taxistas cercaram aeroporto

Mais de 60 mil passageiros, entre chegadas e partidas, cerca de 250 voos diários e centenas de táxis a rodear o aeroporto de Lisboa revelaram- -se a receita perfeita para o caos. O i esteve no local a acompanhar turistas e portugueses que se mostraram surpreendidos com a dimensão do protesto dos taxistas contra a…

“Indecente”, “incrível” e “anormal” foram apenas alguns dos adjetivos usados por quem passou pelo aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, e foi surpreendido pela megamanifestação dos taxistas que passaram o dia, literalmente, a cercar o aeroporto. Tanto quem partia como, principalmente, quem chegava deparou-se com uma espécie de “escape room” [um jogo muito em voga em que os participantes têm de escapar de uma sala trancada] da vida real. Com os acessos quase totalmente entupidos pela manifestação, houve quem optasse por ir a pé, mas o metro foi o meio de transporte mais concorrido. Escoar as pessoas nestas condições não era tarefa fácil: segundo disso ao i fonte ligada aos serviços aeroportuários, as estimativas para outubro apontam para que aqui passem diariamente 64 500 pessoas e 250 voos (ou 500 movimentos).

“Não é bonito” Por volta das 12h30, Amy H., vinda de Nova Iorque, esperava na fila para comprar o bilhete para o metro. Pela primeira vez em Portugal, não fazia ideia da manifestação e contava apanhar um táxi para a levar até à Baixa. “É muito frustrante, porque tenho muitas malas”, lamentou ao i. Apesar das queixas, Amy apanhou o metro quando a situação ainda estava relativamente calma, apesar da forte afluência. “Já vendemos o dobro dos bilhetes comparativamente a um dia normal”, contava Miguel Rodrigues, diretor comercial da empresa. O pessoal tinha sido reforçado – junto de cada máquina, um funcionário ajudava no processo de compra dos bilhetes –, mas os comboios funcionavam com o mesmo número de composições. “São suficientes para as necessidades, a oferta está adequada à procura”, garantia ao i o responsável, que assegurou também que a gestão de stocks estava controlada para que não “faltassem cartões de viagem”.

Caso a manifestação prosseguisse, como previsto, para o parlamento, o otimismo faria sentido. Tal não aconteceu. Com a chegada da tarde – e o “bloqueio” sem fim à vista –, a situação deteriorou-se. Por volta das 15h00, o tempo de espera já ia na meia hora e continuava a piorar para quem queria adquirir bilhete e optava por fazê-lo no único guichê existente à superfície. Mayb, brasileira, chegada de Roma, equilibrava as malas num carrinho enquanto esperava. “Vou só estar um dia em Lisboa, voo amanhã para S. Paulo”, relatava. “Fui apanhada de surpresa. Já conhecia este aeroporto, que acho que é bem estruturado, mas hoje falta muita informação. Você pode explicar–me o que se passa?” Resumo feito, diz que a Uber no Brasil funciona muito bem. “Mas hoje, com tanta polícia e tantas filas, não é bonito de se ver”, resume. Sobre o tempo de espera, assume o desespero. “Nem vejo a hora de chegar ao hotel.”

Tal como Mayb, muitos questionam o que passa. Uma turista australiana pensou que se tratava de um atentado terrorista. Um casal português de Viseu, vindo de Ponta Delgada, pega nas malas e resolve descer a pé até à rotunda do Relógio, admitindo que não esperava encontrar uma manifestação tão grande. Também nos autocarros de ligação com a cidade – os shuttles –, a situação era semelhante. Além da fila na hora de adquirir o bilhete, entrar nos autocarros também não foi tarefa fácil. “Estou aqui há pelo menos 30 minutos”, desesperava um passageiro vindo de Londres.

Outro casal de Lisboa que acabava de chegar das Seychelles conferenciava entre si para elaborar um plano. “Pensámos chamar a Uber, mas foi-nos logo desaconselhado pelos seguranças do aeroporto. Pelos vistos, um carro já foi vandalizado.” Sabiam que a manifestação iria acontecer, mas nunca pensaram que os afetasse. “O nosso voo só chegava à hora de almoço e, caso o plano da manifestação tivesse sido seguido, não havia problema”, explicam. “Para quem nunca veio a Portugal, levam logo daqui um belo cartão-de-visita”, comentavam no meio de cigarros, enquanto nos pediam dicas para sair dali.

Com mais de 24 horas entre voos e escalas e com as filas para metro e shuttle a aumentar, optaram por pedir a amigos que os fossem buscar, solução a que muitos outros portugueses recorreram. A quantidade de veículos “civis” a chegar foi aumentando de tal forma ao longo da tarde que a polícia acabou por começar a parar carros na rotunda próxima das partidas para perguntar aos condutores ao que iam. Motivo: prevenir mais confrontos, já que vários taxistas se tinham dirigido, depois de almoço, de forma ofensiva e agressiva a um condutor – afinal, um pai que tinha ido buscar a filha ao aeroporto.

Prontos para acampar Alheados de quem vai subindo e descendo a arrastar malas, com um ar afogueado, entre o Relógio e o aeroporto, os taxistas vão matando o tempo fora dos carros. Uns fazem piqueniques de bagageira aberta, outros jogam à sueca de pé, à sombra das árvores. Há ainda quem aproveite as horas de maior calor e durma uma sesta.

A maioria dos taxistas que rodeiam o Relógio assumem que estão prontos para acampar até que o governo ceda. “Temos de defender-nos a nós próprios. O governo só defende os ilegais”, atira um taxista. Já um grupo ao lado repete uma frase, qual bandeira, em que nem todos se reveem: “Isto só vai lá com violência.”