Não interessa se está numa loja a comprar meias, nas Finanças, no restaurante mais cool da cidade, na peixaria da esquina ou no supermercado de sempre: desde ontem que é obrigatório dar prioridade a pessoas deficientes, idosos, grávidas ou pessoas acompanhadas de crianças de colo. Quem não o fizer, arrisca multa que vai desde os 50 até aos 1000 euros.
Até agora, o atendimento prioritário era apenas regra para os “serviços de administração central, regional e local e institutos públicos”, recorda o o gabinete do Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS). A nova lei foi publicada em Diário da República a 29 de agosto mas só entrou em vigor esta segunda-feira, depois de 120 dias para os estabelecimentos se adaptarem.
Nos supermercados, o trabalho foi facilitado: já reservavam filas para este tipo de atendimento. “Os espaços de retalho estão preparados para o cumprimento das normas agora definidas por este diploma que, todavia, apenas veio consagrar na lei, uma prática já há muito instituída no setor da distribuição”, disse ao i Ana Isabel Morais, diretora da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) da qual fazem parte dezenas de lojas e supermercados do país.
Mas do papel à prática, vai alguma distância. Apesar das tentativas de nivelamento e dos painéis informativos com o desenho de grávidas e idosos de bengala, a verdade é que é quase impossível alguém nunca ter ouvido uma discussão sobre a prioridade no atendimento – ou, pelo menos, testemunhado uns grunhidos mais carrancudos . “Noutro dia, o meu marido foi insultado num supermercado em Queluz porque pediu para passar è frente. Levava ao colo a nossa filha de um ano e, por ser homem e o desenho ser de uma mulher com uma criança ao colo, não lhe queriam dar a vez”, contou Marta Jesus ao i.
Para diminuir dúvidas e evitar quezílias, aqui fica tudo o que precisa de saber sobre a nova lei. Não basta chegar e pedir para passar à frente. Em alguns casos, pode ter de apresentar o atestado multiúsos para usufruir dos seus direitos. Noutros, vai valer a lei do bom senso.
1. deficiência ou incapacidade? Mostre o atestado
Segundo o novo decreto-lei, têm prioridade todas as pessoas com deficiência – física ou mental, congénita ou adquirida – que “limite ou dificulte a atividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas.” No caso de incapacidade, a lei prevê que o grau da mesma seja igual ou superior a 60%, reconhecido em atestado multiúso.
Em resposta ao i, fonte oficial do MTSS explicou que, para que não haja dúvidas, as pessoas se devem fazer acompanhar do atestado para fazer prova da deficiência ou incapacidade.
2. idosos: não chega ter mais de 65 anos
São considerados idosos todas as pessoas com idade igual ou superior a 65 anos que apresentem “evidente alteração ou limitação das funções físicas ou mentais”.
À “Renascença”, a secretária de Estado para a Inclusão, Ana Sofia Antunes, clarificou que “não basta que a pessoa comprove que tem 65 ou mais anos. Nesse caso, tem que ter uma incapacidade física ou mental visível, portanto, inquestionável ao comum dos cidadãos”. “Não estamos a conferir prioridade a qualquer pessoa que tenha mais de 65 anos, porque, desse modo, estaríamos a estabelecer uma prioridade para uma grande parte da população. [A prioridade será] apenas para as situações em que as pessoas sentem desconforto e são prejudicadas pelo facto de ficarem em pé longos períodos de tempo”, explicou.
3. Grávidas, crianças e bom senso
Se o recente episódio pelo qual passou o marido de Marta Jesus fosse hoje, não haveria dúvidas sobre quem tinha prioridade. Segundo a lei, este é um direito reservado a todas as pessoas acompanhadas de crianças até aos dois anos.
Além disso, têm prioridade todas as mulheres grávidas. Mas atenção: neste caso, não é preciso atestado. A lei não exige que se ande com um teste de gravidez atrás – há que apelar ao bom senso de parte a parte.
4. locais sem atendimento prioritário
A lei aplica-se a “todas as pessoas, públicas e privadas, singulares e coletivas que prestem atendimento presencial ao público”. Mas os hospitais e outras entidades prestadoras de saúde estão excluídas, já que aqui a prioridade de acesso aos cuidados continua a ser “fixada em função da avaliação clínica a realizar”.
Também as conservatórias e outras entidades de registo estão excluídas, mas apenas e só “quando a alteração da ordem de atendimento coloque em causa a atribuição de um direito subjetivo ou posição de vantagem decorrente da prioridade de registo”.
5. queixas e coimas: dá para chamar a polícia?
Caso tenha direito ao atendimento prioritário e seja desrespeitado, deve apresentar uma queixa por escrito junto do Instituto Nacional para a Reabilitação ou para a entidade que regule o local onde foi cometida a infração. Por exemplo, se tiver sido num restaurante, deve ser endereçada à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). “Apresentada a queixa há lugar à instrução do procedimento de contraordenação. O procedimento termina com uma decisão administrativa que pode, ou não, decidir pela aplicação de uma coima. A Constituição da República Portuguesa assegura a todos os cidadãos e cidadãs o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”, referiu fonte oficial do MTSS.
As coimas variam entre os 50 e os 500, caso se trate de pessoa singular. Se a entidade infratora for coletiva, os valores oscilam entre os 100 e os 1000 euros.
Se não quiser ir para casa a remoer sem fazer nada, saiba que pode chamar a polícia para intervenção imediata. A garantia foi dada ao i pela tutela. “A pessoa a quem for recusado atendimento prioritário, em violação do disposto no DL n.º 58/2016 de 29 de agosto, pode requerer a presença de autoridade policial a fim de remover essa recusa e para que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para receber a queixa”.
6. não há regra sem exceção
Se gosta pouco de estar em filas (na verdade, quem gosta?) e costuma ser daquelas pessoas organizadas que marca os atendimentos – por exemplo, na Loja do Cidadão –, saiba que a lei não se aplica a “situações de atendimento presencial ao público realizado através de atendimento presencial ao público realizado através de serviços de marcação prévia”.
Por fim, perante várias pessoas com direito a atendimento prioritário, a situação resolve-se de forma muito simples: por ordem de chegada.